O Homem Com a Morte nos Olhos (Welcome to Hard Times – 1967)
O prefeito Will Blue (Henry Fonda), do vilarejo de Hard
Times, é um homem de 50 anos que veio àquele lugar isolado para fugir de
confusão. Essa cidade é agitada de tempos em tempos, quando trabalhadores de
uma mina próxima aparecem para se divertir no saloon. Mas afora esses momentos,
o lugarejo fica deserto. Mas a tranquilidade desejada por Blue é abalada quando
chega um misterioso pistoleiro ao saloon. Em poucas horas, ele mata
impiedosamente várias pessoas e coloca fogo nos poucos barracões que formavam a
cidade. A maioria dos habitantes deixa o lugar, mas Blue fica, pois sabe que o
assassino um dia irá voltar. E para esse novo encontro o prefeito estará
determinado a não fugir.
O projeto foi inicialmente feito para a televisão pela MGM, buscando
alcançar o público jovem norte-americano do flower power, mas acabou sendo
exibido em salas de cinema. O roteirista/diretor Burt Kennedy, responsável
pelos roteiros psicologicamente instigantes dos faroestes do ciclo Ranown, de
Budd Boetticher, adapta com bastante fidelidade o livro homônimo de E.L.
Doctorow. O refinamento ficou garantido com a fotografia impecável de Harry
Stradling Jr., complementada por um elenco de grandes nomes, como Henry Fonda,
Lon Chaney Jr., Warren Oates, Elisha Cook Jr. e Keenan Wynn, mas quem realmente
impressiona é Aldo Ray, vivendo o silencioso e enigmático “homem de Bodie”, que
justifica o nome da cidade (hard times, tempos difíceis) com sua passagem
destruidora. O filme, assim como o livro, trabalha a desconstrução da imagem
mítica do Velho Oeste, algo mais próximo do que os italianos estavam fazendo com
o gênero no período. Ainda que o ritmo irregular do segundo ato prejudique um pouco
a experiência, os últimos vinte minutos complementam muito bem o excelente
primeiro ato. Todos os esforços do protagonista em reconstruir a cidade são
frustrados, assim como são frustradas as suas tentativas de retirar do menino órfão
o ímpeto pela vingança, subtrama que soa como uma paródia proposital da relação
de Shane e seu pequeno admirador em “Os Brutos Também Amam”.
O elemento
destruidor é representado em tons oníricos, sempre com um sorriso mefistotélico
e sem qualquer justificativa para suas ações, quase como se fosse uma força
primal destinada a corromper a cidade, microcosmo da civilização. E, vale
salientar, não se trata de um índio, figura usualmente demonizada no western
norte-americano, o que potencializa o direcionamento ousado da trama. O
prefeito, consciente de que está sendo punido por sua covardia no primeiro
ataque, terá que enfrentar até mesmo sua insegurança com um revólver, outro
detalhe que engrandece esse anti-western. Ele chega a afirmar: “Qualquer homem
pode portar um revólver, mas você precisa sozinho apertar o gatilho”. Blue não
é o herói clássico das pradarias, está longe disso, ele defende uma postura que
poderia ser considerada essencialmente feminina, preocupado apenas em
estabelecer um local seguro, enquanto a prostituta Molly (Janice Rule) adota a
postura típica dos vaqueiros de Hollywood, determinada a meter uma bala no meio
da testa do vilão, um aspecto que pode ter colaborado para as injustas críticas
negativas que a obra recebeu à época.
* O filme está sendo lançado em DVD, com a opção da dublagem
clássica da BKS, pela distribuidora “Classicline”.
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