There's Always Vanilla (1971)
Dois anos depois de sua estreia, revolucionando o gênero do
terror com o seminal “A Noite dos Mortos-Vivos”, George Romero arriscou ir
contra as expectativas do público, temendo ficar rotulado, apostando nessa
comédia romântica. E muitas das características que ele solidificou em 1977 com
“Martin”, como seu estilo de edição, estavam embrionárias nesse projeto de
baixo orçamento, que, infelizmente, costuma ser eclipsado por seus zumbis.
Levando em consideração a gênese confusa, que partiu de uma
audição de trinta minutos do ator Ray Laine, eu fico impressionado com a
qualidade do roteiro que Rudy Ricci conseguiu elaborar, com o auxílio de
diálogos improvisados no dia das filmagens pelo próprio Romero, o que poderia
compreensivelmente se tornar uma incoerente colcha de retalhos, acaba se
mostrando um retrato leve e encantador de uma sociedade ainda se acostumando às
modificações trazidas pela guerra, focando no relacionamento amoroso do casal
vivido por Laine e Judith Ridley, com grande química na tela, enquanto opera
numa camada abaixo da superfície uma especulação lúdica sobre um futuro próximo
onde o comportamento daquela juventude hippie, de forma cíclica, desse lugar
novamente aos valores parentais de seus avós. Esse conceito, ainda que tenha
sido diluído pelo conflito entre Romero e o roteirista, ambos tinham posições
muito distintas sobre o desenvolvimento da história, já se fazia presente na
primeira versão, inicialmente intitulada: “At Play With The Angels”, com forte
influência de pequenos filmes independentes como: “A Primeira Noite de Um
Homem”.
A máquina apresentada no início, uma geringonça enorme
acionada pelo pedalar constante de um estranho, chama a atenção dos transeuntes
na rua, mas não parece ter qualquer função. Uma voz afirma: “Se algo está
acontecendo, precisa ter um propósito”. Outro defende que aquilo só pode ser
gozação de alguns estudantes interessados em evidenciar que a sociedade está de
pernas para o ar. E outro, uma voz mais madura, defende que aquela máquina é
ótima, exatamente porque faz com que as pessoas se interessem em sair de suas
casas e fazer parte de algo, uma ocupação que impediria que se perdesse tempo
com guerras. Essa crítica divertida encontra eco numa fala da protagonista,
mais pra frente, quando ela brinca com o despertar revolucionário de seus
colegas, dizendo que se cada indivíduo acendesse uma pequena vela, todos
morreriam envenenados por monóxido de carbono. Ainda que ela seja impelida a
não fazer sexo nessa cena, ela não compreende a razão. A liberdade pode ser
exercida em um sistema alimentado pela mentira? O discurso dos hippies, quando
analisado de perto, não representa uma forma de cabresto ideológico?
Um encontro motivado por um acidente. Ela fugindo de uma
quase tentativa de estupro. Ele fugindo de um sermão do pai. A dupla descobre
que, ao contrário do que se vê nas propagandas comerciais em que ela atua, o
mundo real nunca entrega respostas fáceis. Nem só de “paz e amor” vive o homem.
* Texto escrito para o catálogo da mostra "George Romero - A Crônica Social dos Mortos-Vivos", ocorrida no CCBB RJ e SP (de 18/05 a 06/06, de 2016) e DF (01/06 a 20/06, de 2016), com curadoria de Mario Abbade.
Embora seja um admirador do George Romero e conheça quase toda a sua filmografia, incluindo o seu inovador filme de vampiro "Martin", nunca vi esse "There's Always Vanilla". Então te agradeço pela crítica que me valeu como uma dica.
ResponderExcluirAbraço,
João Luís