Corações e Mentes (Hearts and Minds – 1974)
Esse importante documento histórico dirigido por Peter Davis
deveria ser visto por adolescentes como matéria escolar essencial, para que a
sociedade não repita os erros de outrora. Nessa revisão, marquei alguns pontos
que me fizeram retroceder a cena, são momentos que causam repulsa maior do que
as terríveis imagens das crianças queimadas por napalm.
O soldado que salienta a total ignorância que o movia no
campo de batalha, sem uma razão ideológica para matar estranhos pacíficos, gente
humilde que apenas lutava para manter alguma dignidade em sua terra, ele sorri
afirmando que no calor do confronto ele via apenas inimigos que precisavam ser
trucidados, sendo motivado pelo ódio estimulado por seus superiores para com
aquele povo, que era vítima de uma campanha simplista que os pintava da forma
mais caricata, como uma raça inferior. O primeiro passo na estratégia da guerra
é eliminar a lucidez. Somente a estupidez de uma multidão de tolos úteis,
doutrinados pelo militarismo à aceitação de ordens sem questionamento, é capaz
de sustentar a mentira responsável pela carnificina no cotidiano de uma guerra.
E, outro momento impressionante, a palestra de um desses
tolos úteis, um herói de guerra que mais parece uma máquina de bordões, com os
olhos vazios, falando a um grupo de crianças sobre sua experiência no Vietnã.
Ao ser questionado sobre a aparência do local, uma pergunta pura, o soldado não
pensa duas vezes: “Se não fosse pelo povo de lá, seria um lugar bonito”. Ninguém
que verdadeiramente vivenciou o aspecto desumano de um conflito dessa proporção
consegue sair com a consciência ilesa. Duvide de todos os veteranos orgulhosos.
O último testemunho reflete exatamente essa realidade, um oficial que, sem
conseguir conter as lágrimas, sabe ter arriscado a própria vida e perdido
amigos por uma mentira, alimentada por interesses burocráticos, invasão de terras
estrangeiras com desculpas frágeis. Ele se coloca no lugar daquele povo,
imagina ter sua casa invadida por homens armados, ele pensa em sua filha
testemunhando tudo isso, e então ele chora.
O documentário, corajosamente feito durante a guerra, foi o
mais ambicioso em sua época, custando cerca de um milhão de dólares, rivalizando
apenas com “Woodstock”. Sua estrutura é alicerçada em ponto e contraponto, buscando
o choque, a montagem apresenta a visão estereotipada da propaganda no cinema, seguida
por um general que diz que os orientais não valorizam muito a vida, para então
nos conduzir à triste cerimônia funeral de um vietnamita, com a viúva em
prantos se jogando dentro do buraco cavado na terra. A mão é pesada como
deveria ser sempre, não há maneira suave de transmitir o absurdo jogo de poder
que dizima famílias, deixando mães destruídas para o resto de suas vidas, já
que seus jovens filhos compraram a propaganda mentirosa dos mais interessados,
dos covardes que desprezam a vida humana. É impossível não se revoltar com o
desfecho, a cena que acompanha os créditos, a alienação de grande parte dos
norte-americanos que aplaudem o desfile patriótico.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Obras-Primas
do Cinema”, edição dupla de luxo, mais um excelente livreto de 48 páginas com
fotos e entrevistas com o diretor e historiadores.
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