Luta Sem Código de Honra (Jingi Naki Tatakai – 1973)
Japão, 1947. O ex-soldado Shozo Hirono ascende de
comerciante do mercado negro para um dos líderes de um clã da violenta Yakuza,
através de assassinatos, traições e lutas sem nenhuma honra.
Duelo em Hiroshima (Jingi Naki Tatakai: Hiroshima Shito-hen –
1973)
Hiroshima, 1950. O ex-piloto kamikaze Shoji Yamanaka é
libertado da prisão e, para sobreviver, entra para o crime. Após um assalto,
causa a ira de um chefe da Yakuza, e acaba se tornando aliado de Shozo.
Guerra Por Procuração (Jingi Naki Tatakai: Dairi Senso –
1973)
1960. O sucessor do clã Muraoka é assassinado, mas seu
subordinado se recusa a vingá-lo, como manda a tradição. Essa decisão provoca
uma sangrenta guerra entre os dois mais poderosos clãs de Hiroshima e região.
Estratégias Policiais (Jingi Naki Tatakai: Chojo Sakusen –
1974)
1963. Após ser expulso do clã Yamamori, Shozo se alia ao
covarde Uchimoto e ao clã Akashi, que estão em guerra com outro grupo. Mas,
atendendo ao clamor das ruas, a polícia lança uma operação contra a Yakuza.
Episódio Final (Jingi Naki Tatakai: Kanketsu-hen – 1974)
Após a operação policial, os clãs de Hiroshima e Kure formam
uma aliança política e econômica chamada Tensei. Desiludido, Shozo não se
adapta a essa profissionalização da Yakuza, pois sabe que, no fundo, nada
mudou.
A indústria de cinema japonesa no início da década de
setenta sentiu o crescente desinteresse do público pelos ninkyo-eiga, os filmes
que tratavam a yakuza com um verniz heroico romantizado, com personagens movidos
por um código de honra. Quando uma série de entrevistas com um ex-chefe da organização
começou a ser publicado no jornal, Kinji Fukasaku viu a chance de ouro, convocando
então o roteirista Kazuo Kasahara para ir com ele até Hiroshima fazer uma longa
pesquisa, que originou “Luta Sem Código de Honra”, o pioneiro dos jitsuroku, tramas
que primavam por um estilo documental mais sujo, de ritmo frenético, com uso
generoso de câmera na mão e uma galeria de personagens psicologicamente
recheados de tons de cinza, movidos quase sempre por interesses egoístas, sem
escrúpulos. Escrito com base nos relatos de pessoas envolvidas nesse universo criminoso,
a verossimilhança das situações encenadas chocou o público. O interesse do
cineasta não estava no falso conceito de nobreza mitificada que seus colegas
celebravam cinematograficamente em suas abordagens do tema, ele viveu sua
infância na miséria do pós-guerra, o que despertava seu fascínio eram as curtas
reportagens sobre os protestos e assassinatos que passavam nas salas de cinema
antes da exibição principal, a forma como esse material era filmado, ideologicamente
objetivo e com foco no impacto visual, a fonte em que ele bebeu para criar sua
obra. Esse retrato brutalmente realista e desprovido de sentimentalismo inspirou
sobremaneira o cinema de ação/policial feito pela indústria norte-americana nas décadas seguintes,
ainda que essa influência nunca tenha sido efetivamente assumida.
Bunta Sugawara, vivendo o protagonista Shozo, no arco
narrativo que atravessa as cinco produções, representa a desconstrução do herói
clássico, endurecendo seu espírito enquanto suas ingênuas convicções vão sendo
destruídas pela crueldade ao seu redor. A violência extrema como a consequência
natural de uma sociedade apolítica, sem disciplina, entregue ao caos urbano, onde o ser humano age como um cão de rua esfomeado, lutando por um osso que caiu da mesa de seus donos. A
cena que inicia o primeiro filme resume o tom apocalíptico, com a imagem da
explosão da bomba atômica sendo seguida pelos gritos de uma japonesa que foge
pelas ruas para não ser estuprada por soldados norte-americanos. Impotentes
perante a força de ocupação, os civis apenas observam a triste cena. Aquela
minoria que irá se revoltar e defender a mulher, logo, um grupelho criminoso que
parece saído da fumaça tóxica da devastação, evidencia o reflexo de uma realidade
deprimente: naquela situação, apenas a escória tem coragem de enfrentar a
injusta lei. Os métodos tradicionais da yakuza se tornaram obsoletos nessa nova
faceta do crime organizado, os que não se moldarem aos novos tempos serão
consumidos. A montagem rápida, homenageando a nouvelle vague francesa, com uso
excessivo de ângulos de câmera inclinados, potencializa esse intenso desconforto
social, algo que o espectador capta de forma inconsciente.
Com o sucesso popular do filme, o diretor começou imediatamente a trabalhar na continuação, ousadamente reposicionando Shozo para uma participação coadjuvante, optando por expandir o cenário já estabelecido. O ritmo irregular e a visão mais simplificada das intrigas apresentadas são compensadas pela participação carismática de Sonny Chiba como um capanga cafona que vive de óculos escuros, e, mais ainda, pela subtrama que possibilita uma visão da organização criminosa pela ótica feminina de Meiko, viúva de um piloto kamikaze, uma das poucas mulheres de destaque na série. O terceiro filme, meu segundo favorito da caixa, após o primeiro, encontra Bunta em seu melhor momento, delineando melhor as motivações do personagem enquanto atravessa grande conflito interno. A caracterização dos chefões também é trabalhada com mais esmero, resultando num retrato menos caricatural, o que favorece o senso dramático e torna tudo ainda mais crível. Já o quarto filme intensifica a violência que havia sido levemente amenizada no anterior, banalizando um pouco pela repetição estrutural, mas garantindo com isso algumas das sequências de assassinatos mais criativas. Na última parte de seu épico, com a tarefa ingrata de fechar todas as pontas soltas dos anteriores, Fukasaku aprofunda a discussão, minimiza um pouco a ação e deixa claro que ele enxergava o Japão da época como uma enorme gangue de parasitas despertados das ruínas do bombardeamento de Hiroshima.
Com o sucesso popular do filme, o diretor começou imediatamente a trabalhar na continuação, ousadamente reposicionando Shozo para uma participação coadjuvante, optando por expandir o cenário já estabelecido. O ritmo irregular e a visão mais simplificada das intrigas apresentadas são compensadas pela participação carismática de Sonny Chiba como um capanga cafona que vive de óculos escuros, e, mais ainda, pela subtrama que possibilita uma visão da organização criminosa pela ótica feminina de Meiko, viúva de um piloto kamikaze, uma das poucas mulheres de destaque na série. O terceiro filme, meu segundo favorito da caixa, após o primeiro, encontra Bunta em seu melhor momento, delineando melhor as motivações do personagem enquanto atravessa grande conflito interno. A caracterização dos chefões também é trabalhada com mais esmero, resultando num retrato menos caricatural, o que favorece o senso dramático e torna tudo ainda mais crível. Já o quarto filme intensifica a violência que havia sido levemente amenizada no anterior, banalizando um pouco pela repetição estrutural, mas garantindo com isso algumas das sequências de assassinatos mais criativas. Na última parte de seu épico, com a tarefa ingrata de fechar todas as pontas soltas dos anteriores, Fukasaku aprofunda a discussão, minimiza um pouco a ação e deixa claro que ele enxergava o Japão da época como uma enorme gangue de parasitas despertados das ruínas do bombardeamento de Hiroshima.
Se você não conhece esses filmes, tire uma tarde e se presenteie com essa experiência.
* Os filmes estão sendo lançados em DVD pela distribuidora “Versátil”,
com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, na caixa "Cinema Yakuza 2", numa bela embalagem
digistack, com rico material extra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário