Debi e Lóide – Dois Idiotas em Apuros (Dumb and Dumber –
1994)
Debi e Lóide 2 (Dumb and Dumber To – 2014)
Nada é mais difícil que fazer rir, dar uma boa gargalhada
então, mais difícil ainda! Exatamente por isso o gênero da comédia sempre foi
menosprezado pela crítica e os seus gênios nunca recebem o aval de premiações. Uma
comédia de qualidade requer talento, sensibilidade no timing, um instinto
específico para desafiar as expectativas e uma boa dose de carisma. Como não ousam
enfrentar esses artistas, um esforço é feito na intenção de minimizar seus
trabalhos, marginalizando o humor como arte menor, normalmente elevando dramas
umbilicais modorrentos à posição de destaque intelectual, com seus defensores
formando uma espécie de maçonaria de medíocres prolixos, abusando de chavões
batidos como: “não é um filme para todo mundo”. E, sem pensar duas vezes, troco
qualquer exercício pretensioso desses diretores por uma tarde divertida vendo “Debi
e Lóide”.
O filme de Peter e Bobby Farrelly é primoroso em sua
capacidade maravilhosa de desprezar todos os elementos narrativos que
garantiriam a respeitabilidade dramática de sua trama, que envolve um caso de
sequestro em que o processo da entrega da mala com o dinheiro do resgate é
interrompido por uma pessoa alheia ao ocorrido. O homem comum que se vê
inserido em uma situação perigosa, como nos melhores suspenses de Hitchcock,
passa a ser então perseguido pelos criminosos. Mas quando esse homem comum é
interpretado por Jim Carrey, no auge de sua carreira, somos presenteados com um
road movie de ritmo implacável e movido por suas caretas, o deboche com a
formalidade ritualística que aprendemos desde cedo a respeitar. Ao invadir a
casa dele, o gângster afirma ser um desperdício destruir o local como forma de
ameaça, já que, bagunçado como está, o dono sequer perceberia alguma
modificação. Quando o herói conquista em seus sonhos o carinho da mocinha,
belíssima Lauren Holly, ele faz questão de satisfazer o voyeurismo natural dos
cinéfilos levantando rapidamente a saia dela. O estilo sem polimento dos
diretores cai como luva nessa desconstrução, unindo o humor mais grosseiro,
simbolizado no primeiro filme pelo periquito sem cabeça vendido para uma
criança cega, com a pureza ingênua das anedotas que escutamos na infância. O
toque mais esperto nos dois filmes é fugir da armadilha melodramática abraçada
por boa parte das comédias de sua época, uma inconsciente maneira do roteiro
tentar se desculpar por ser engraçado e conquistar apreço dos
pseudointelectuais que, na necessidade constante de autoafirmação, cospem
naquilo que é popular. Os irmãos Farrelly, analisando o conjunto de obra, demonstram
orgulho e segurança em seu ofício. E estão bem acompanhados, já que tanto o
personagem vivido por Jeff Daniels, o melhor amigo e parceiro de pegadinhas, como
o próprio Carrey, em seus cortes de cabelo exóticos nos remetem aos Três Patetas,
representantes dessa graciosa irresponsabilidade cômica.
Acho curiosa a recepção negativa com o reencontro da dupla
em “Debi e Lóide 2”, vinte anos depois, uma celebração muito pedida pelos fãs
do original. O que os críticos esperavam? Muito se escreveu sobre a atitude dos
protagonistas, praticando as pegadinhas mais escatológicas. É a evolução
natural, atualizada para o humor que é atraente na sociedade hoje, basta você analisar
o tipo de brincadeira que faz sucesso na internet, gente que ganha dinheiro
comendo baratas e se machucando, a tolice hilária de youtubers como os Irmãos
Piologo, toda essa geração que cresceu com Jackass e Pânico. Se você considera
o humor dessa sequência menos inteligente, olhe com mais atenção o mundo à sua
volta. Não podemos culpar o carteiro pelo conteúdo da carta, nem o espelho pelo
reflexo que nele enxergamos. Temos a reutilização de gags, o rápido passeio no
icônico carro-cachorro e o terceiro ato agitado que homenageia a estrutura das
comédias da década de noventa, em que qualquer história conduzia a uma correria
desenfreada em bobas cenas de ação bagunçadas, herança dos clássicos no gênero
da década de sessenta, como “O Que é Que Há, Gatinha?” e “Deu a Louca no Mundo”.
Os diretores dessa vez demonstram ainda menos apego narrativo, transformando
tudo em uma grande pegadinha, o que simboliza maior segurança no estilo, o que
considero um mérito relevante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário