A Hora da Estrela (1985)
Não é difícil concluir que essa linda adaptação de Suzane
Amaral para o livro de Clarice Lispector, fiel à essência e eficiente em sua
execução, seja o melhor filme nacional da década de oitenta, verdadeira flor no
asfalto, um período historicamente vergonhoso em nossa cinematografia, ainda
que projetos superestimados como “Pixote, a Lei do Mais Fraco” e “Memórias do
Cárcere” tenham seus ardorosos defensores. Vale destacar também a boa fotografia
de Edgar Moura, que, pela desgraça de nosso vazio enquanto indústria de cinema,
posteriormente desperdiçou seu talento em produções bizarras protagonizadas pela
Xuxa. O único desafiante a esse posto, outra pérola pouco lembrada, “Filme
Demência”, do saudoso Carlos Reichenbach, merece menção honrosa.
A sensibilidade do roteiro, que trabalha com uma
simplicidade pouco usual no período, uma época em que todos os cineastas
brasileiros pareciam tentar emular a cacofonia visual de Glauber Rocha, que,
por sua vez, emulava os experimentos franceses, cativa o espectador logo nas
primeiras cenas, quando conhecemos a protagonista: Macabéa, vivida por Marcélia
Cartaxo, a “datilógrafa virgem que gosta de Coca-Cola”. Uma nordestina de
coração puro, ingênua e que ainda não aprendeu a ser escrava dos cosméticos, o rígido
padrão de beleza que rege a sociedade, praticamente um bebê jogado na selva de
pedra, tentando sobreviver ao amargor dos homens. Ao se apaixonar, sentimento
que tateia no escuro âmago de sua existência, quer a todo custo evitar o
silêncio, por medo de que o outro, aquela imagem projetada de seus sonhos, implacavelmente
se desfaça no ar de suas castigadas ilusões, então, na falta de assunto, afirma
que gosta muito de parafuso e prego. Como Kaspar Hauser, ela não foi habituada
ao convívio social, sem o discernimento necessário para se precaver ante a
crueldade do mundo, vive de devaneios pueris, com seu reflexo no espelho
mostrado sempre embaçado, detalhe importante e que agrega maior simbologia à
trama.
A hora de sua estrela brilhar, o despertar de uma tímida
esperança, sentimento que nunca teve coragem de estimular, envolve o desfecho
agridoce com um manto de ternura. A tristeza final, em estranha alquimia, acaba
se transformando na mais graciosa beleza, já que, analisando os monstros cruéis
que a rodeavam, o generoso acaso a presenteou com a negação definitiva do
conceito de humanidade torta que, ainda hoje, parte desalmadamente os corações
genuinamente bons.
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