O próximo VHS que selecionei na estante embolorada do tempo
é símbolo de uma época muito pouco generosa para os nerds. A escassez de
produtos para esse público era tanta, que encontrar esse filme na locadora
causava até um arrepio na espinha, uma emoção única que hoje se banalizou, com
cinco filmes de super-heróis sendo lançados por semana. E, fora de nostalgia,
ainda considero essa pérola de baixo orçamento, mesmo com seus problemas e
liberdades com o material original, muito mais interessante e eficiente que o
primeiro “Capitão América” dessa nova geração, um dos roteiros mais fracos da
primeira fase da Marvel. Naquela época, a única imagem cinematográfica que
tínhamos do herói patriótico era uma versão bizarra filmada em 1979, que
passava no “Cinema em Casa” do SBT, com o personagem utilizando um escudo transparente,
um capacete que parecia o do nosso “Capitão Aza” e uma motocicleta. Quando
encontrei a capa dessa produção na prateleira da locadora, apenas em versão
dublada, lembro que já estava locada, fiquei muito triste. Acabei conhecendo a
trama lendo a adaptação oficial em quadrinhos, inserida em um dos números da
revista mensal do herói pela Editora Abril. Algumas semanas depois, com dois videocassetes,
sendo um emprestado, fita adesiva, além de uma trabalheira para entender como
fazer o truque funcionar, eu fiz a cópia da fita, uma das minhas primeiras
incursões infanto-juvenis no mundo da trambicagem cultural. Como eu era ingênuo
e sistemático, fiquei bastante preocupado por alguns dias, achando que o FBI ia
eventualmente bater na minha porta. Já estava até praticando técnicas de fuga
assistindo “Papillon”.
Capitão América (Captain America – 1990)
Chego a sorrir lembrando que, na primeira vez que assisti,
por volta dos nove anos, fiquei emocionado nos créditos finais, ao som da
melancólica “Home of the Brave”, cantada por Ivan Neville. E, assustado,
percebo que, ainda hoje, aquele desfecho, com a narração que fala sobre o presidente,
vivido por Ronny Cox, agradecer o herói que, em sua infância, fez com que ele
acreditasse no poder do sonho, ainda me dá um nó na garganta. Um toque simples de
sentimentalismo que compensava a pobreza da produção, enquanto os altos
orçamentos hoje no subgênero carecem de emoção genuína, com cada página no
roteiro extremamente calculada. A própria opção de exibir pouco o uniforme do
herói, gera uma expectativa saudável, ainda mais quando se é criança. Essa
produção de Menahem Golan, dirigida por Albert Pyun, modifica elementos
básicos, como fazer do vilão nazista Caveira Vermelha, vivido por Scott Paulin,
um italiano que recebe ordens de Mussolini. Mas acho válido o senso de humor,
simbolizado na cena em que o Capitão América estreia seu uniforme, debochando
com seu superior sobre a preocupação que eles tiveram com sua camuflagem. Por
mais refinada que seja a nova versão, não dá pra levar a sério, ainda mais em
um contexto sociopolítico real, um soldado vestido com as cores da bandeira de
sua nação, que utiliza um escudo como bumerangue.
O problema foi que a produção necessitava do lucro que seria
obtido em outros filmes, para custear a correta finalização das filmagens que
constavam no cronograma, mas Golan acabou tendo que fechar a cortina antes do
espetáculo acabar. Parte de elenco chegou a entrar em contato com o criador do
herói: Stan Lee, para ver se ele conseguia interceder pela produção, para que o
resultado saísse, com sorte, de uma forma digna. A primeira meia-hora é bem
eficiente, mas o segundo ato, que envolve o retorno do herói após ser
descongelado no futuro, se perde em resoluções típicas de filmes para
televisão, conduzindo para um terceiro ato que parece ter sido idealizado às
pressas, ainda que o cenário do castelo italiano seja imponente, mas
terrivelmente subutilizado. O maior erro do filme foi a escalação do
protagonista: Matt Salinger, filho do escritor J.D. Salinger, de “O Apanhador
no Campo de Centeio”, sem carisma algum e aparentando estar totalmente
desconfortável vestindo o traje colorido, ainda que tenha afirmado em
entrevistas sua empolgação com o papel, já que era fã do personagem desde a
infância. É curioso ver Ronny Cox e Ned Beatty, que trabalharam juntos no
clássico “Amargo Pesadelo”, reunidos no projeto, mesmo sabendo que seus agentes
deviam ter sido demitidos na época.
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