O Desprezo (Le Mépris - 1963)
A subversão técnica se mostra presente desde o início,
mostrando o maquinário responsável pela elaboração da imagem, ressaltando o
artificialismo contido em uma simples cena: uma jovem caminha enquanto lê um
livro. O esforço que envolve a realização deste momento, com a câmera
seguindo-a no trilho, emoldurado pela plácida voz do narrador, que nos
apresenta o elenco e a equipe técnica, substituindo os convencionais letreiros,
simboliza a ideologia por trás da Nouvelle Vague. A estética é mais
importante que o tema. O risco é interessante, não a fórmula.
O leitmotiv que se apresenta constantemente é a "Odisseia"
de Homero, cuja megalômana adaptação cinematográfica é responsabilidade do
diretor alemão Fritz Lang, que participa do filme interpretando a si mesmo,
atendendo ao convite de Godard. A admiração do francês pelo alemão é
evidenciada ao longo da obra, como quando ele coloca nas mãos de Bardot um
livro sobre seu ídolo.
A bela casa onde ocorrem as filmagens na ilha de Capri, com
sua estrutura labiríntica, acentuando o fato daqueles personagens estarem
presos a si mesmos de forma inescapável. O Odisseu moderno (na figura do
escritor vivido por Michel Piccoli) que, ao invés de lutar pela honra de sua
Penélope (a bela Camille, vivida por Brigitte Bardot), convenientemente
facilita sua entrega física e emocional nos braços de seu pretendente (o
impetuoso produtor americano de cinema, vivido por Jack Palance), visando
oportunidades na área. O desprezo de uma mulher que acreditava ser mais
importante que uma carreira, a apatia de um homem que vende seu talento sem
critério algum.
A maior crítica do diretor é desferida no rosto da indústria
americana de cinema, personificada pelo personagem de Palance, que em certo
ponto afirma: "quando escuto falar em cultura, corro para abrir meu
talão de cheques". O conflito mais importante ocorre em uma cabine de
exibição, onde ele vibra como um adolescente ao ver a imagem de mulheres nuas
na tela, as cenas ainda não editadas das sereias no épico de Lang. Ele chega a
afirmar que a melhor coisa no cinema é poder despir as belas mulheres. Crítica
que corajosamente é direcionada também a Roger Vadim, marido de Bardot e
realizador de seus mais célebres filmes, famoso por sempre preferir exibi-la
sensualmente em suas obras. Interessante notar que enquanto o conflito ocorre,
a câmera nunca deixa de mostrar os dizeres estampados logo abaixo do telão da
cabine:
"O cinema é uma arte sem futuro" - Louis
Lumière.
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