Rashomon (1950)
“O demônio vive em Rashomon, fugindo com medo da ferocidade
do homem”.
Um lenhador e um monge budista conversam sobre um estupro,
seguido de assassinato, ocorrido num bosque nas imediações da cidade. O relato
deles para um incrédulo plebeu é complexo em suas várias versões, que incluem
até o testemunho do próprio morto, através de uma evocação mediúnica. O aspecto
mais genial é que não é possível afirmar qual dos relatos é o verdadeiro, já
que cada depoimento é cinematograficamente reconstituído com base na verdade
absoluta de cada personagem.
Akira Kurosawa trabalha com simbolismos muito profundos
nessa obra, como a analogia do local onde os três personagens se encontram,
buscando abrigo até a chuva estiar, o “Rashomon” (portão do castelo) em ruínas,
como a sociedade japonesa da época, vítima de um declínio moral já criticado
sutilmente no conto original “Dentro de Um Bosque”, de Ryūnosuke Akutagawa,
que é fielmente transposto no roteiro, com exceção de seu desfecho, um
brilhante adendo imaginado pelo diretor. Numa nação que vivia a angústia do
pós-guerra e que necessitava, mais do que nunca, de gestos de humanidade e
otimismo, foi com extrema sensibilidade que ele incluiu a ideia do bebê
abandonado, logo após a exposição crua, por diversos pontos de vista, de um
evento marcado pelos elementos mais odiosos no ser humano. A ideia do homem que,
num ato de puro egoísmo, roubava o quimono que cobria o pequeno abandonado foi levemente
inspirada no conto “Rashomon”, que Akutagawa escreveu em 1915, onde uma mulher
era flagrada roubando o cabelo de corpos tombados numa cidade em ruínas.
Ao final, temos um quebra-cabeça impossível de ser montado,
já que somos levados a crer que cada versão mente em algum ponto, exagerando ou
omitindo detalhes essenciais para a plena compreensão do evento. Cada ator
deturpa a realidade a seu favor, refletindo perfeitamente nesse microcosmo o
escopo do que vemos diariamente no macro, uma sociedade onde não existem
simples alternativas duais, entre o bem e o mal. O samurai/ladrão (vivido por
Toshiro Mifune) surpreende como, talvez, o mais digno, já que em seu depoimento
não negou seu próprio crime, teve consideração pela nobreza da vítima, afirmando
que ele foi o homem com quem durou mais tempo em batalha, tendo consideração
também pela honra da esposa da vítima, elemento moral altamente questionável
nas outras versões, ao afirmar que ela havia fugido no meio da batalha.
***
O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Versátil", em impecável versão restaurada.
Essa tua foto tá idêntica à clássica do Rubens Ewald Filho. Tu é substituto direto dele. =)
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