A questão veio à tona eficientemente em “Kick-Ass”,
aclamada minissérie em quadrinhos de Mark Millar (depois transposta ao cinema),
onde um jovem se questiona a razão de tantas adolescentes sonharem em ser Paris
Hilton e ninguém almejar ser o “Homem-Aranha”. Por trás de uma ideia
aparentemente superficial esconde-se um conceito incrivelmente rico, expondo
uma enorme lacuna em uma sociedade cada vez mais violenta e fria. Existe espaço
na vida real para heróis como o advogado Atticus Finch, vivido por Gregory Peck
no clássico “O Sol é para Todos” (To Kill a Mockingbird – 1962)? Pessoas que se
coloquem na linha de frente para defender desconhecidos, simplesmente por
acharem justo e ético? Podem existir homens como Rick Blaine, eternizado por
Humphrey Bogart em “Casablanca”, que são altruísticos ao ponto de deixarem a
mulher que amam partir com outro, apenas para protegê-la? Deixarem a amargura
de lado por algo maior, colocando suas próprias vidas em risco? Os
verdadeiros heróis decidem lutar até o fim, mesmo reconhecendo as próprias
limitações, como o pugilista Rocky Balboa. Ao final da luta, não interessava se ele havia se sagrado vencedor, empatado ou perdido, pois a maior
vitória ele já havia conquistado: a confiança em si mesmo e o amor da mulher de
sua vida.
Na nossa sociedade corrupta devem existir policiais como Harry
Callahan, também conhecido como “Dirty Harry” (Clint Eastwood)? Homens que
aceitam direitos humanos para humanos direitos e não tem piedade para com os
marginais e maus-caracteres que assolam a cidade. Harry pode ser radical em
suas ideias, mas seus métodos funcionariam fora do cinema? Existem policiais
tão incorruptíveis? Ou somente um “Robocop” seria capaz de tanta bravura, já
que sua parcela humana (falível) não é mais dominante que sua parte máquina? A
grande realidade é que existem oficiais da justiça como Will Kane, de “Matar ou
Morrer” (High Noon – 1952), dispostos a enfrentar seu algoz cara a cara, mas, assim como no filme, o xerife vivido por Gary Cooper procura a ajuda de todas
as pessoas da cidade e só encontra desprezo e medrosas negações, os nossos
heróis reais descobrem-se sozinhos em meio a um ninho de cobras, fadados a um
duelo brutal sem aplausos ao fim, recebendo como prêmio um vergonhoso salário
mensal. A vida imita a arte e a arte imita a vida.
Como faz falta em Brasília um homem como Jefferson Smith. O
personagem de James Stewart em “A Mulher faz o Homem” (Mr. Smith goes to
Washington – 1939) é um inocente interiorano que vai para a cidade grande com
sonhos de mudar a sociedade para melhor atuando como senador. Aos poucos, vai
percebendo o mar de lama em que se enfiou e vê todas as suas crenças na bondade
humana serem destruídas impiedosamente ao constatar o caráter asqueroso dos
políticos de seu país. No filme, sua convicção ferrenha e seu suor o fazem
vencer a podridão, mas se o personagem viesse tentar a sorte em Brasília ele
provavelmente cometeria suicídio em pouco tempo, pois a cada dia que passa nossa classe política nos deixa mais envergonhados, não se distingue mais o fundo do poço. O nosso mundo precisa de heróis imediatamente, precisamos de
um símbolo que inspire medo nos bandidos (como “Batman”), alguém de valores
íntegros e digno em quem contar (como “Superman”) ou até mesmo alguém como em
“Kick-Ass”, que corajosamente diga: “Não posso voar, não enxergo através das
paredes, mas eu posso quebrar-me todo tentando salvar tua pele!” Talvez seja
por isto que esteja ocorrendo esta febre de filmes com super-heróis: Somos nós
(a sociedade) pedindo socorro e aguardando uma resposta.
Mas, espere um momento, caro leitor, querida leitora. Nós esbarramos em heróis
diariamente, mas não damos a eles o valor merecido. Como disse logo no início,
o heroísmo nasce do desejo do ser humano em disciplinar seu instinto
violento (natural) para o bem. Os professores possuem esse poder, inspirando
seus alunos e estabelecendo alicerces firmes para a sociedade no futuro.
Infelizmente no nosso país ser educador é uma das profissões mais ingratas e
mal remuneradas que existem. A importância da passagem de um professor na vida
de um aluno é tida como algo arduamente suportável, um mal necessário. O jovem
metido a esperto questiona o que teria de útil a passar aquela figura que acorda cedo todas as manhãs, suportando todas as agruras e
deselegâncias com o intuito de realizar seu dom, dos mais nobres, ensinar algo
a pessoas que mal conhece. Na vida real, poucos são os jovens
que se recordam de seus instrutores, mas no mundo do cinema a justiça é feita e
esta linda profissão recebe o valor que merece.
No final da década de sessenta,
o mundo estava em ebulição e Hollywood aproveitou o momento para contar a linda
história de um engenheiro desempregado e negro (quando o racismo estava em seu
auge na América) que aceita uma vaga como professor em uma escola jogada às
traças, com alunos desordeiros e violentos. A sua turma intenciona destruí-lo,
como fizeram com seu predecessor, enfraquecendo seu espírito e pondo em dúvida
seus ideais. Mas eles não estavam preparados para a firmeza de caráter e a força
motivacional dele, já acostumado com a hostilidade e os preconceitos que sofria
diariamente. Ao tratar seus alunos como adultos e demonstrar respeito por
eles, aos poucos, consegue ganhar a admiração dos mesmos, o que culmina em um
tocante final onde os jovens demonstrarão a importância da passagem do mestre
em suas vidas com uma linda canção, que todos apresentam na formatura (“Aqueles
dias de estudante, de roer as unhas e contar mentiras se foram, porém em minha
mente sei que sempre sobreviverão. Mas como agradecer alguém que te fez crescer
como pessoa. O tempo chegou, de fechar os livros, mas enquanto eu viver, eu
saberei que deixei para trás meu melhor amigo, um que me mostrou o que era
certo e errado, me fez discernir os fracos dos fortes. Ao mestre, com carinho”). “Ao
Mestre, com Carinho” (To Sir, With Love – 1967) emociona públicos de todas
as idades até hoje, com uma interpretação plena em dignidade do grande Sidney
Poitier, que ficaria para sempre marcado por este personagem. A obra foi
pioneira e transformou-se em uma espécie de subgênero dramático com o passar dos anos.
Em “Sociedade
dos Poetas Mortos” (Dead Poets Society – 1989), um professor de poesia pouco
ortodoxo se vê tendo que ensinar jovens cuja orientação da escola era respeitar
a tradição, a honra, disciplina e excelência. O personagem vivido por Robin
Williams sabe que esses valores são a antítese do que é o real aprendizado,
sempre em progresso, moldando-se. Ele inspira seus alunos a perseguir
suas paixões individuais, tornando-se pensadores livres, condicionados apenas
ao aprimoramento constante e o eterno questionamento, aproveitando as
suas vidas ao máximo, como no seu lema: “Carpe Diem”. Outro filme que conta uma
linda e inspiradora história de perseverança é “Mr. Holland – Adorável
Professor” (Mr. Holland Opus – 1995). A vida do músico vivido por Richard
Dreyfuss, que começa a lecionar para conseguir juntar dinheiro e compor uma
sinfonia, descobrindo que a cada ano está mais distante da realização de seu
sonho principal, emociona como poucas obras no gênero. Na obra de Stephen Herek
fica latente a influência que um ser humano causa na vida de outras pessoas,
por mais ínfima que seja a intenção por trás de pequenos gestos. Educação não é
somente tirar notas altas e lotar cadernos, trata-se de formar e transformar
seres humanos, realçar valores e ideais, construir e fortificar caracteres.
Na
obra “Gênio Indomável” (Good Will Hunting – 1997), outra faceta do
tema é abordada: O que é a real inteligência? O personagem vivido por Matt
Damon é um jovem rebelde que trabalha como servente em uma universidade, por
determinação legal, após algumas passagens pela polícia. Quando o professor de
matemática desafia os seus alunos a resolverem um teorema complicadíssimo, o
jovem sem nenhuma pretensão, quase que inconscientemente consegue elucidar a
questão. A sua alma somente encontra o equilíbrio após encontrar-se com seu
analista, que com o tempo vai ganhando seu respeito e admiração. Uma cena de
inexplicável beleza e contundência resume o poder da obra: Em uma das sessões
de análise, o jovem, em seu auge de rebeldia e deboche, começa a trazer à tona
toda a angústia e amargura que carregava, enquanto o professor segue apenas
dizendo: “não é sua culpa”, várias vezes e em tom baixo, confortador. Em poucos
minutos o jovem está abraçado a ele, chorando copiosamente e grato, pois o
analista havia merecido seu respeito e provou ser seu amigo. Finalizando, não
posso me esquecer da professora (vivida por Anne Bancroft) da jovem Helen
Keller, no belíssimo “O Milagre de Anne Sullivan” (The Miracle Worker – 1962),
que busca incessantemente mostrar as belezas do mundo a uma menina cega e
surda. Com muita persistência, ela consegue retirar Helen de uma realidade
solitária e depressiva, levando-a a adaptar-se ao mundo, fazendo-a conseguir se
expressar. Foi preciso pulso firme por parte de Anne, pois a jovem havia se
colocado em um pedestal, como vítima revoltada das circunstâncias, da qual foi
retirada por intermédio da disciplina amorosa e dedicada de uma professora,
uma heroína.
Uma das funções da Sétima Arte é ensinar valores e mostrar
caminhos. Emociona descobrir que muitas pessoas dizem que se tornaram
professores por terem visto estes filmes na infância e terem descoberto sua
vocação. Agora precisamos que os jovens também se inspirem nos alunos
destes filmes e passem a respeitar seus mestres. Que vejam além do olhar
cansado daquele que dormiu mal na noite anterior para preparar sua prova e, quem sabe, encontrem um amigo para a vida toda.
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