quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Professores, os Heróis da Vida Real


A questão veio à tona eficientemente em “Kick-Ass”, aclamada minissérie em quadrinhos de Mark Millar (depois transposta ao cinema), onde um jovem se questiona a razão de tantas adolescentes sonharem em ser Paris Hilton e ninguém almejar ser o “Homem-Aranha”. Por trás de uma ideia aparentemente superficial esconde-se um conceito incrivelmente rico, expondo uma enorme lacuna em uma sociedade cada vez mais violenta e fria. Existe espaço na vida real para heróis como o advogado Atticus Finch, vivido por Gregory Peck no clássico “O Sol é para Todos” (To Kill a Mockingbird – 1962)? Pessoas que se coloquem na linha de frente para defender desconhecidos, simplesmente por acharem justo e ético? Podem existir homens como Rick Blaine, eternizado por Humphrey Bogart em “Casablanca”, que são altruísticos ao ponto de deixarem a mulher que amam partir com outro, apenas para protegê-la? Deixarem a amargura de lado por algo maior, colocando suas próprias vidas em risco? Os verdadeiros heróis decidem lutar até o fim, mesmo reconhecendo as próprias limitações, como o pugilista Rocky Balboa. Ao final da luta, não interessava se ele havia se sagrado vencedor, empatado ou perdido, pois a maior vitória ele já havia conquistado: a confiança em si mesmo e o amor da mulher de sua vida. 

Na nossa sociedade corrupta devem existir policiais como Harry Callahan, também conhecido como “Dirty Harry” (Clint Eastwood)? Homens que aceitam direitos humanos para humanos direitos e não tem piedade para com os marginais e maus-caracteres que assolam a cidade. Harry pode ser radical em suas ideias, mas seus métodos funcionariam fora do cinema? Existem policiais tão incorruptíveis? Ou somente um “Robocop” seria capaz de tanta bravura, já que sua parcela humana (falível) não é mais dominante que sua parte máquina? A grande realidade é que existem oficiais da justiça como Will Kane, de “Matar ou Morrer” (High Noon – 1952), dispostos a enfrentar seu algoz cara a cara, mas, assim como no filme, o xerife vivido por Gary Cooper procura a ajuda de todas as pessoas da cidade e só encontra desprezo e medrosas negações, os nossos heróis reais descobrem-se sozinhos em meio a um ninho de cobras, fadados a um duelo brutal sem aplausos ao fim, recebendo como prêmio um vergonhoso salário mensal. A vida imita a arte e a arte imita a vida.

Como faz falta em Brasília um homem como Jefferson Smith. O personagem de James Stewart em “A Mulher faz o Homem” (Mr. Smith goes to Washington – 1939) é um inocente interiorano que vai para a cidade grande com sonhos de mudar a sociedade para melhor atuando como senador. Aos poucos, vai percebendo o mar de lama em que se enfiou e vê todas as suas crenças na bondade humana serem destruídas impiedosamente ao constatar o caráter asqueroso dos políticos de seu país. No filme, sua convicção ferrenha e seu suor o fazem vencer a podridão, mas se o personagem viesse tentar a sorte em Brasília ele provavelmente cometeria suicídio em pouco tempo, pois a cada dia que passa nossa classe política nos deixa mais envergonhados, não se distingue mais o fundo do poço. O nosso mundo precisa de heróis imediatamente, precisamos de um símbolo que inspire medo nos bandidos (como “Batman”), alguém de valores íntegros e digno em quem contar (como “Superman”) ou até mesmo alguém como em “Kick-Ass”, que corajosamente diga: “Não posso voar, não enxergo através das paredes, mas eu posso quebrar-me todo tentando salvar tua pele!” Talvez seja por isto que esteja ocorrendo esta febre de filmes com super-heróis: Somos nós (a sociedade) pedindo socorro e aguardando uma resposta.

Mas, espere um momento, caro leitor, querida leitora. Nós esbarramos em heróis diariamente, mas não damos a eles o valor merecido. Como disse logo no início, o heroísmo nasce do desejo do ser humano em disciplinar seu instinto violento (natural) para o bem. Os professores possuem esse poder, inspirando seus alunos e estabelecendo alicerces firmes para a sociedade no futuro. Infelizmente no nosso país ser educador é uma das profissões mais ingratas e mal remuneradas que existem. A importância da passagem de um professor na vida de um aluno é tida como algo arduamente suportável, um mal necessário. O jovem metido a esperto questiona o que teria de útil a passar aquela figura que acorda cedo todas as manhãs, suportando todas as agruras e deselegâncias com o intuito de realizar seu dom, dos mais nobres, ensinar algo a pessoas que mal conhece. Na vida real, poucos são os jovens que se recordam de seus instrutores, mas no mundo do cinema a justiça é feita e esta linda profissão recebe o valor que merece. 

No final da década de sessenta, o mundo estava em ebulição e Hollywood aproveitou o momento para contar a linda história de um engenheiro desempregado e negro (quando o racismo estava em seu auge na América) que aceita uma vaga como professor em uma escola jogada às traças, com alunos desordeiros e violentos. A sua turma intenciona destruí-lo, como fizeram com seu predecessor, enfraquecendo seu espírito e pondo em dúvida seus ideais. Mas eles não estavam preparados para a firmeza de caráter e a força motivacional dele, já acostumado com a hostilidade e os preconceitos que sofria diariamente. Ao tratar seus alunos como adultos e demonstrar respeito por eles, aos poucos, consegue ganhar a admiração dos mesmos, o que culmina em um tocante final onde os jovens demonstrarão a importância da passagem do mestre em suas vidas com uma linda canção, que todos apresentam na formatura (“Aqueles dias de estudante, de roer as unhas e contar mentiras se foram, porém em minha mente sei que sempre sobreviverão. Mas como agradecer alguém que te fez crescer como pessoa. O tempo chegou, de fechar os livros, mas enquanto eu viver, eu saberei que deixei para trás meu melhor amigo, um que me mostrou o que era certo e errado, me fez discernir os fracos dos fortes. Ao mestre, com carinho”). “Ao Mestre, com Carinho” (To Sir, With Love – 1967) emociona públicos de todas as idades até hoje, com uma interpretação plena em dignidade do grande Sidney Poitier, que ficaria para sempre marcado por este personagem. A obra foi pioneira e transformou-se em uma espécie de subgênero dramático com o passar dos anos. 

Em “Sociedade dos Poetas Mortos” (Dead Poets Society – 1989), um professor de poesia pouco ortodoxo se vê tendo que ensinar jovens cuja orientação da escola era respeitar a tradição, a honra, disciplina e excelência. O personagem vivido por Robin Williams sabe que esses valores são a antítese do que é o real aprendizado, sempre em progresso, moldando-se.  Ele inspira seus alunos a perseguir suas paixões individuais, tornando-se pensadores livres, condicionados apenas ao aprimoramento constante e o eterno questionamento, aproveitando as suas vidas ao máximo, como no seu lema: “Carpe Diem”. Outro filme que conta uma linda e inspiradora história de perseverança é “Mr. Holland – Adorável Professor” (Mr. Holland Opus – 1995). A vida do músico vivido por Richard Dreyfuss, que começa a lecionar para conseguir juntar dinheiro e compor uma sinfonia, descobrindo que a cada ano está mais distante da realização de seu sonho principal, emociona como poucas obras no gênero. Na obra de Stephen Herek fica latente a influência que um ser humano causa na vida de outras pessoas, por mais ínfima que seja a intenção por trás de pequenos gestos. Educação não é somente tirar notas altas e lotar cadernos, trata-se de formar e transformar seres humanos, realçar valores e ideais, construir e fortificar caracteres. 

Na obra “Gênio Indomável” (Good Will Hunting – 1997), outra faceta do tema é abordada: O que é a real inteligência? O personagem vivido por Matt Damon é um jovem rebelde que trabalha como servente em uma universidade, por determinação legal, após algumas passagens pela polícia. Quando o professor de matemática desafia os seus alunos a resolverem um teorema complicadíssimo, o jovem sem nenhuma pretensão, quase que inconscientemente consegue elucidar a questão. A sua alma somente encontra o equilíbrio após encontrar-se com seu analista, que com o tempo vai ganhando seu respeito e admiração. Uma cena de inexplicável beleza e contundência resume o poder da obra: Em uma das sessões de análise, o jovem, em seu auge de rebeldia e deboche, começa a trazer à tona toda a angústia e amargura que carregava, enquanto o professor segue apenas dizendo: “não é sua culpa”, várias vezes e em tom baixo, confortador. Em poucos minutos o jovem está abraçado a ele, chorando copiosamente e grato, pois o analista havia merecido seu respeito e provou ser seu amigo. Finalizando, não posso me esquecer da professora (vivida por Anne Bancroft) da jovem Helen Keller, no belíssimo “O Milagre de Anne Sullivan” (The Miracle Worker – 1962), que busca incessantemente mostrar as belezas do mundo a uma menina cega e surda. Com muita persistência, ela consegue retirar Helen de uma realidade solitária e depressiva, levando-a a adaptar-se ao mundo, fazendo-a conseguir se expressar. Foi preciso pulso firme por parte de Anne, pois a jovem havia se colocado em um pedestal, como vítima revoltada das circunstâncias, da qual foi retirada por intermédio da disciplina amorosa e dedicada de uma professora, uma heroína.

Uma das funções da Sétima Arte é ensinar valores e mostrar caminhos. Emociona descobrir que muitas pessoas dizem que se tornaram professores por terem visto estes filmes na infância e terem descoberto sua vocação.  Agora precisamos que os jovens também se inspirem nos alunos destes filmes e passem a respeitar seus mestres. Que vejam além do olhar cansado daquele que dormiu mal na noite anterior para preparar sua prova e, quem sabe, encontrem um amigo para a vida toda.

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