Jacques Tati era um genial arquiteto de sonhos. Desde a
primeira vez que assisti aquele adorável “Sr. Hulot”, tive a clara impressão de
estar vivenciando um mundo onírico. Pouquíssimos diálogos, sons ambientes
exagerados, a forma como os personagens caminham (como o encarregado da limpeza
das ruas em “Meu Tio”, que nunca consegue realmente realizar seu ofício, sempre
tendo sua atenção desviada para algum elemento) e o ritmo sempre contemplativo,
como se pedisse nossa total atenção. Cada detalhe é importante, assim como cada
ser que habita um plano (que poderiam até ser emoldurados, de tão ricos) de
Tati possui uma função. O espectador que busca gargalhar, já começa de forma
equivocada (estes e os que assistem por obrigação escolar, são os primeiros a
afirmarem seu ódio por este cineasta), pois sua mente programada busca aquele
padrão já conhecido de comédia, frustrando-se já nos primeiros minutos. O
ser humano não aprecia o que é novo, preferindo rir do mesmo bordão conhecido
todos os dias.
Existem poucos diretores/atores de humor que podem ser
chamados de refinados artesãos (Tati e Jerry Lewis são os que me vêm à mente),
pois trabalham além das características de seus personagens, moldando com o
mesmo esmero todo o ambiente que o circunda. As “piadas” quase sempre são
elaboradas com riqueza de minúcias, como aquela de “Meu Tio” (Mon Oncle – 1958),
quando Hulot suja a sola de seu sapato direito e acaba deixando um rastro de
pegadas brancas no escritório onde procura emprego, inclusive no banco da
gerente e na mesa, quando ele tira o sapato do pé e por deslize repousa-o
nela. Ele leva o público a crer que o desfecho será simples, inserindo então
algumas olhadas da mulher que o atende, em direção a uma janela superior que
está parcialmente aberta (isto é feito com muita sutileza, somando-se ao fato
de nossa atenção estar sendo direcionada para outros elementos da cena). Quando
acreditamos que a cena terminou, Tati nos prova sua genialidade ao fazer com
que a gerente o encaminhe ao salão do lado, dizendo com ironia: “para que não
seja preciso o senhor fazer tanta ginástica” (ela acredita que ele subiu na
mesa para poder averiguar o que ocorria na sala ao lado, pela janela).
Percebemos então ao revisitarmos a cena, o cuidado que ele teve ao estruturar
cada movimento, cada gesto.
Outro fator essencial na filmografia de Tati é a inteligente
crítica feita à sociedade. No filme já citado, que considero sua
obra-prima, demonstra de forma muito simples a mediocridade daqueles que vivem
de aparência e ostentação. Uma dona de casa obsessiva por limpeza, que reformou
sua casa com a tecnologia mais moderna (tão desconfortável que a faz assistir
TV sentada no jardim), simplesmente para poder exibi-la, com a formalidade
de um corretor de imóveis, aos vizinhos. O ápice de criatividade é o
horroroso chafariz em formato de peixe, instalado em um jardim que mais parece
o mitológico labirinto do rei Minos. Dependendo da importância do convidado,
aciona-se ou não o chafariz (que fica sempre desligado), conduzindo a situações
hilárias (como com a chegada do “vendedor de tapetes”). Neste microcosmo fútil
e excessivamente organizado, Hulot torna-se um elemento de rebeldia (emulado
por Peter Sellers em “Um Convidado bem Trapalhão”) e necessário caos.
Assistam Tati e percebam muitos outros toques geniais deste
artesão do humor, que será eterno na mente dos apaixonados pela Sétima Arte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário