Fazer cinema no Brasil é como tentar subir o Himalaia sem equipamento.
Não existe incentivo algum, muito menos inteligência, por parte daqueles que
comandam esta tentativa (mais uma das várias) de se formar uma indústria.
Cineastas espertos, mesmo sem ajuda, acreditaram em suas ideias e utilizaram as
potencialidades deste moderno mundo interconectado. “2 Coelhos” é um excelente
exemplo de um projeto que ousou sair do lugar comum, usando de forma sagaz os
recursos das redes sociais, abrindo inteligentemente o diálogo com seu
público-alvo. O roteiro é tão bacana, que os americanos já planejam uma
refilmagem. O diretor Afonso Poyart chamou a atenção dos industriais de lá, que
já o contrataram (o filme “Solace”, que estreia em 2014, com Anthony Hopkins no
elenco). O mesmo aconteceu com o José Padilha, que com “Tropa de Elite”, provou
que conseguimos fazer uma obra de ação eletrizante, com direito a um
protagonista marcante, que entrou para a cultura pop nacional.
O maior problema (não o único) no cinema nacional é o roteiro.
Problemas técnicos graves, como o áudio, já superamos, mas não possuímos uma
boa “escola” de roteiristas. Com raras exceções, as produções versam sempre
sobre os mesmos temas (afinal, a maioria de complexados cineastas
brasileiros quer ser Godard e não Billy Wilder), como se os realizadores
tivessem medo de arriscar, elemento fundamental em qualquer atividade cultural.
A nossa indústria precisa adaptar a criatividade visando não exceder os limites
de verba, o que possibilitaria a criação de obras de ficção-científica calcadas
nos diálogos (como “Stalker”, de Tarkovski), obras de terror psicológico (como
os trabalhos iniciais de Roman Polanski) ou obras de fantasia lúdica, como o
recente “Indomável Sonhadora”. Filmes que atraiam o público, não somente os
familiares dos realizadores. Depois que já tivermos estabelecido uma indústria
autossustentável, daí podemos partir para voos mais alternativos (como ocorre
em Hollywood, por exemplo), intercalando uma obra popular (não
“populista”) de um super-herói
nacional (que trará lucro, ocasionando a necessária sustentabilidade), por
exemplo, com um drama familiar denso e intimista.
O José Wilker deu algumas entrevistas onde enaltece o
trabalho da “Globo Filmes”, afirmando que ela “tem feito grandes benefícios” à
produção nacional. Ele também defende uma atuação governamental para criar
novas salas e modernizar os equipamentos audiovisuais, o que demonstraria que o
governo leva o cinema a sério. São duas afirmações que se opõem. O que nutre uma
indústria não é o quantitativo, mas sim a formação de um público criterioso. A
maior parte do público que enche os cofres da “Globo Filmes” hoje, não faz a
mais remota ideia do que seja a Sétima Arte, pois a reconhece apenas como
aquele divertimento rápido, colorido e barulhento, que os entretém entre o
atender de um celular e a última pipoca mastigada. Eles não vão à sala escura
para conhecer personagens potencialmente interessantes. O problema já citado, sobre
os roteiros, nem é percebido por este público. Acendem-se as luzes e eles se
levantam sem recordarem sequer os nomes dos personagens. Em uma indústria já
estabelecida e autossustentável, não haveria problema algum. Nenhum americano
ia assistir aos filmes do Jerry Lewis e do Dean Martin, esperando não
reconhecê-los nos personagens. Os roteiros eram bobinhos, para que eles
tivessem a chance de realizar suas peripécias costumeiras. Mas já na década de
50, os norte-americanos davam aula de competência com sua indústria cinematográfica,
enquanto nós lutávamos para manter viva a chama criativa da Atlântida e da Vera
Cruz. Discordo do Wilker quanto à benesse que o populismo oferta à produção
nacional. Os filmes de Amácio Mazzaropi eram populares e precários em vários
sentidos, mas nunca populistas. Eles refletiam a forma de pensar de seu autor (“Portugal…
Minha Saudade”, onde ele critica o tratamento aos idosos por seus filhos, por
exemplo), um bravo sonhador que buscou formar uma indústria. Já as produções da
“Globo Filmes”, que conquistam bilheterias monstruosas (somente devido à
extensa divulgação em todos os tentáculos da empresa), não incitam nenhuma
forma de atitude em quem assiste. Exatamente o oposto, sendo, em grande parte, completamente (e
terrivelmente) inofensivas. O pior tipo de estímulo que um filme pode incitar
em seu público: a indiferença.
Para cada obra-prima como "O Som ao Redor" (de Kleber Mendonça Filho), multiplicam-se como Gremlins, porcarias como "Crô". Sem formar em longo prazo um público minimamente interessado
e criterioso, não teremos uma indústria de cinema de nível competitivo. Com o
poder mercadológico da “Globo Filmes”, não seria maravilhoso se eles
utilizassem todos os seus tentáculos de marketing na promoção de filmes bons,
dos mais variados gêneros? Cinema é a arte da tentativa e erro, mas os
produtores brasileiros querem conquistar para ontem, o status que as indústrias
estrangeiras demoraram décadas de plena dedicação para conseguir. E
reclamamos, pois nós adoramos nos colocar como os pobres coitados em tudo.
Nossas novelas (e não estou discutindo a qualidade desta forma de arte) são
consideradas as melhores do mundo. Ninguém faz novelas com a qualidade dos
brasileiros. Mas você não lê sobre produtores de novelas americanas (e eles
possuem algumas que duram décadas), pedindo para que seus produtos obtenham
mais espaço no mercado exterior. As novelas brasileiras são transmitidas em
Portugal com muito sucesso, mas nenhuma novela portuguesa é transmitida aqui (e
teriam que ser dubladas, já que grande parte do povo não compreende a pronúncia. Que vergonha…).
Eles reclamam e posam de pobres coitados? Temos que provar com competência a
qualidade de nosso trabalho, buscando empatar o jogo, sem ficar mendigando a
utilização de uma variação do sistema de cotas.
Precisamos fazer bons filmes,
com roteiros de qualidade. Voltando ao Wilker, não poderia desligar meu senso
criterioso e “passar a mão na cabeça” de seu primeiro trabalho na direção, pois
estaria fazendo um desserviço à arte e ao amor que eu sei que ele nutre por
ela. “Giovanni Improtta” possui um roteiro fraquíssimo (de Aguinaldo Silva e
Mariana Wilker), escrito por pessoas que demonstram pouca noção de
como funciona a linguagem cinematográfica. Uma produção com orçamento de 6
milhões, que foi o mesmo valor (em dólares) utilizado por James Cameron no
primeiro “O Exterminador do Futuro” (1984) e muito mais do que os 100 mil
utilizados por George Miller em seu “Mad Max” (1979) ou os 27 mil utilizados
por Kevin Smith em seu “O Balconista” (1994). Muitos clássicos que entraram
para a História da Arte, sendo referenciados no mundo todo, foram produzidos com
orçamento baixo, como “Rocky”, “Halloween” e “American Graffiti”. O cinema
nacional precisa de boas ideias (e roteiristas competentes que as transportem
para as páginas), não de grandes orçamentos. E, mais que isto, o cinema nacional
precisa formar um público qualitativo, que valorize esta arte e conscientemente
antecipe a estreia do novo filme do cineasta “x”. Lixo entregue em grande
quantidade apenas fede. Precisamos parar de procurar esconder incompetência e amadorismo por trás do confortável véu de vítimas das
circunstâncias.
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