Link para o meu texto sobre o filme original: http://www.devotudoaocinema.com.br/2017/01/blade-runner-o-cacador-de-androides-de.html
Blade Runner 2049 (2017)
(O texto aborda detalhes da trama, então recomendo que seja
lido após a sessão)
O tom e o ritmo deste filme ecoam de forma cristalina o
original de Ridley Scott, como é gratificante constatar que Denis Villeneuve corajosamente
não fez concessões mercadológicas e verdadeiramente abraçou o espírito da obra
de Philip K. Dick, com o roteiro de Hampton Fancher (responsável pelo original)
e Michael Green expandindo consideravelmente as discussões propostas, inclusive
adaptando conceitos do livro que não haviam sido utilizados, mas, ainda assim, funcionando
perfeitamente para aqueles que não viram o anterior.
“Blade Runner 2049” valoriza o peso de cada segundo, as
cenas são longas e os diálogos são poucos, a trilha sonora de Hans Zimmer reforça
o caos visual que a fotografia de Roger Deakins estabelece logo nos primeiros
momentos, um mundo sem sentido e que perdeu humanidade, forçando o espectador a
compreender a angústia existencial do protagonista. A estrutura narrativa não
força pontos convencionais de conexão por identificação, há um distanciamento
coerente, já que acompanhamos a investigação pelos olhos do personagem de Ryan
Gosling, um replicante consciente de que não existe opção contrária às ordens
da sua superiora, vivida por Robin Wright. É curioso, apesar da trama não apelar
para o sentimentalismo, em sua serenidade, ela entrega um desfecho emocionalmente
arrebatador. A razão é simples, não se trata de ficção futurista escapista, o
interesse não está em construir um universo franqueado para ser trabalhado em
outros projetos, a estética é deslumbrante, os efeitos visuais são
espetaculares, mas o que importa fala baixo e diretamente ao coração de todos
nós.
Os replicantes fugitivos do original buscavam encontrar o
criador e sobreviver, impedir o desligamento, os do novo lutam pela liberdade, a
sociedade os limita como cumpridores de tarefas, eles querem ser mais, eles são
inspirados pelo sonho que nasce com o milagre, a possibilidade da procriação, a
continuidade, o legado. Somos todos replicantes em busca de um sentido para a
existência. A inteligência artificial Joi, vivida pela linda Ana de Armas, irresistível
personalidade enquanto holograma, perde todo o encanto ao vivenciar uma
experiência física, a satisfação sexual com a ajuda de um avatar não traz tanta
ternura, a câmera reforça que é algo puramente mecânico, irrelevante perto da emoção
que o simples toque virtual das mãos provocou em uma cena anterior. O
sentimento não se reduz à carne, as memórias são muito mais importantes, moldamos
carinhosamente as lembranças e buscamos afeto, por conseguinte, tememos a
finitude. A sequência magnífica envolvendo artistas de outrora eternizados em
hologramas no que restou de Las Vegas representa com inteligência este
leitmotiv.
O simbólico origami em formato de unicórnio do original é
substituído por um pequeno cavalo de madeira, também trabalhado artesanalmente, mas com
uma carga emotiva maior, o presente de um pai, a celebração do lúdico infantil.
O elemento que move os personagens principais é a carência, o desejo de pertencer
a algo significativo, afinal, não queremos acreditar que a vida é uma breve
jornada do pó ao pó. Quando revemos Deckard, melhor atuação de Harrison Ford em muitos anos, encaramos nosso reflexo no espelho, o indivíduo que luta para manter viva a essência, sabendo que todo o resto se perdeu com o tempo. É algo novo que o ator insere, camadas psicológicas que não eram necessárias em sua versão mais jovem. O roteiro é tão complexo, que faz o original parecer um prólogo charmoso. Se o primeiro tinha mais senso de aventura, no novo o impacto emocional na resolução do conflito principal e as reflexões pós-sessão que ele instiga compensam qualquer problema.
Incrível como esse comentário sintetiza o que sentimos ao ver a grandiosidade dessa continuação. São tantas as agregações ao sentido da emoção como vida plena que na verdade, como o outro, será preciso assisti-lo muitas vezes para assimilar o que a atenção aos detalhes distraiu a sensação.
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