quarta-feira, 9 de agosto de 2017

"O Cidadão Ilustre", de Gastón Duprat e Mariano Cohn


O Cidadão Ilustre (El Ciudadano Ilustre - 2016)
Ao optar pelo caminho do autoaprimoramento constante, o indivíduo conscientemente dá seus primeiros passos na estrada rumo à solidão. Quanto mais aperfeiçoada a sensibilidade, mais irritantes se tornam os rituais sociais envernizados pela mentira, quanto mais estimulado o desejo por aprender, mais apreço pela simplicidade generosa e menos paciência com aqueles que necessitam dificultar o discurso por pura insegurança existencial. A deprimente realidade é que grande parte das pessoas se satisfaz sendo medíocre. O cidadão ilustre, o escritor (Oscar Martínez) que conquistou o respeito profissional longe de seu país representa a negação de tudo o que os acomodados de sua cidade natal desesperadamente defendem. Ao aceitar o convite honorário e retornar após quarenta anos, o veterano mestre das palavras identificou rapidamente o ímpeto que o fez querer fugir outrora daquele coletivo de tolos, deselegantes, oportunistas, desinteressados, agressivos e invejosos.

O roteiro envolve com humor críticas ferinas àquela sociedade que, não muito diferente da realidade brasileira, prefere fingir não perceber que o aroma fétido que os perturba diariamente advém da lata de lixo que negligentemente esquecem aberta. A falta de pontualidade (o descaso do motorista com o horário do evento de seu passageiro), a hipocrisia de manifestar interesse temporário na obra de alguém apenas visando status social (as palestras dele cada vez mais vazias, com pessoas visivelmente enfadadas), o favorecimento injusto por interesse político (sequência do concurso de pintura), o elogio que nasce por pura necessidade financeira (o estranho que pede uma cadeira de rodas para o filho), a paixão avassaladora que busca apenas um passaporte (a jovem que seduz o escritor na intenção de viver uma vida melhor na Europa), o bronco estúpido que se sente superior por ter casado com a antiga namorada do homenageado, em suma, o pior pesadelo na vida de alguém que lutou tanto para ser uma pessoa melhor.

Mas há um elemento que compensou todos os absurdos vividos por ele, uma réstia de luz que brotou de onde menos se esperava, o jovem atendente do hotel, educado, de fala mansa, que, com toda delicadeza, ofereceu seus despretensiosos escritos para a avaliação do visitante. Naquela cortês figura que os clientes arrogantes nunca valorizam reside a matéria nobre que jamais será reconhecida naquela cidade, o sonho profissional que nunca será estimulado, a força de espírito que será pisada até se tornar uma lembrança melancólica em uma rotina frustrante, o reflexo no espelho do veterano, a mão estendida que implora por ajuda em uma massa de zumbis. E o homem, esgotado e pronto para abandonar novamente aquele esgoto a céu aberto, dedica então preciosos minutos para oferecer ao garoto o melhor presente de sua vida: esperança. Se ele conseguir salvar pelo menos um indivíduo valoroso, a viagem terá valido a pena.

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