Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark - 1981)
Quando se escreve sobre o filme, o senso comum é salientar a
magnífica trilha sonora de John Williams, as empolgantes sequências de ação, a
reverência à literatura pulp e aos seriados de aventura do cinema antigo, a
presença carismática de Harrison Ford, ou a fantasia deliciosamente escapista
da trama, mas o elemento que verdadeiramente me encanta é simples: o herói é um
professor. A minha contraparte infantil, o menino sonhador que chegava da
escola e colocava para rodar no videocassete o VHS da trilogia gravada da
televisão em EP, nutria um profundo respeito por seus professores, imaginando
as aventuras que eles deveriam viver quando não estavam sujando os dedos de giz
na lousa. E, de fato, sobreviver com o salário de um professor no Brasil sempre
foi tarefa para Indiana Jones.
Eu sonhava em ser professor, creio que meu amor por sebos
também se originou nessas explorações arqueológicas cinematográficas, a
valorização do livro, o interesse por adquirir cada vez mais cultura. Hoje os
sonhos das crianças brasileiras são emoldurados pela lavagem de dinheiro que
nutre a indústria musical de péssima qualidade com profissionais de barro, teologia
da prosperidade com estelionatários da fé, galãs criados da noite para o dia por
assessores de imprensa, todo um sistema de medíocres inseguros que se defendem comprando
os aplausos, fingindo não enxergar os indivíduos que conquistam espaço por
mérito, com real talento e respeito pela arte. Os bons morrem de fome, mas não
foi sempre assim. E obras como “Os Caçadores da Arca Perdida” são importantes,
não somente como entretenimento, mas também por simbolizarem esse necessário
resgate de valores. O valente que salva o dia com seu chicote passa grande
parte de seu tempo estudando livros antigos, a arqueologia é a paixão que move
sua vida. Ele não tem superpoderes, desaba no chão ao levar um soco bem dado,
mas é guiado por seu caráter a revidar. Ele tem medo de cobras, comete
equívocos com frequência, mas o intuito é sempre genuinamente bom. Indiana
Jones é honrado, justo e ético, ele se irrita com o destino que é dado à Arca
da Aliança no desfecho, ele se revolta com a sujeira por trás da burocracia.
A ideia nasceu do interesse de Steven Spielberg dirigir um
filme de James Bond. O amigo George Lucas, ainda surfando na onda de sucesso de
“Star Wars”, disse que tinha um conceito muito mais interessante na gaveta. A
franquia inglesa vivia o seu período mais absurdo, o espião de Ian Fleming havia
se tornado praticamente um personagem de quadrinhos, então a possibilidade de
um herói mais realista soou agradável para o jovem que precisava tirar o gosto
amargo que “1941 – Uma Guerra Muito Louca” havia deixado, ele queria provar
para a indústria que “Tubarão” e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” não
tinham sido golpes de sorte. A apresentação do protagonista é brilhante,
envolto em sombras na selva, silencioso e ameaçador, enfrentando um pistoleiro
traidor com um rápido movimento de seu chicote. Em seu primeiro grande momento
ele erra, ativa a armadilha e seu rosto acusa o desespero. O charme reside em sua
vulnerabilidade, ele não consegue cumprir a missão de recuperar o ídolo dourado.
Marion, a bela Karen Allen, reencontra o herói em uma cena trabalhada
romanticamente, o espectador enxerga apenas a silhueta dele na parede, tudo
leva a crer que o beijo é questão de tempo, mas a jovem interrompe o discurso
dele com um soco de mão fechada, o que evidencia seu pouco tato com mulheres. E
ele não pensa duas vezes antes de finalizar um duelo com um simples apertar de
gatilho, quando percebe o apreço do adversário espadachim pela teatralidade.
Ele é falho, desajeitado, intensamente humano, o roteiro de Lawrence Kasdan conquista rapidamente a empatia do espectador pela identificação com o
personagem. A fantasia sobrenatural representada pelo McGuffin religioso encanta
os olhos e instiga a imaginação, vibramos ao ver um professor aventureiro
enfrentar até a cúpula nazista, mas o filme não seria relevante sem esse
cuidado dedicado em estabelecer já na primeira meia-hora o caráter íntegro do
protagonista. A chave do sucesso está na simples cena ambientada na sala escolar, a paixão do professor que tenta incutir nos alunos adolescentes o interesse por sua matéria.
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