O Mágico de Oz (The Wizard of Oz – 1939)
Há um motivo para que “O Mágico de Oz” seja considerado por
muitos como o melhor filme infantil de todos os tempos, mas uma leitura
superficial pode cometer o equívoco de reduzir a obra ao encantamento singelo
das canções e ao carisma inegável dos personagens. O entretenimento é garantido
pela eficácia desses elementos, mas o subtexto da trama é filosoficamente
profundo, algo que fica na mente do espectador após a sessão, ainda que ele não
perceba claramente. Os aspectos técnicos também são relevantes, o vibrante
Technicolor, que recentemente havia sido experimentado em “Vaidade e Beleza” (1935)
e conquistado o público em “Amor e Ódio na Floresta” (1936), um recurso
utilizado narrativamente com criatividade e ousadia pioneira. Hoje, com
crianças que sequer aproveitam a fase lúdica, sendo irresponsavelmente jogadas
pelos pais em um universo de tablets e smartphones, a mensagem da adaptação
cinematográfica do livro de L. Frank Baum é ainda mais importante.
O filme é dedicado aos jovens de coração. Os adultos são
mostrados como insensíveis, inseguros, presos a rituais que seguem sem
compreender a razão. A vizinha agride o cãozinho Totó, a menina Dorothy (Judy
Garland) tenta contar para os tios, que não dão atenção, ocupados demais em
seus afazeres. Os empregados do local, amigos da menina, sugerem que ela adote
o medo como modus operandi nessas situações, evitando o problema. Até mesmo o
único deles que sugere coragem, acaba se mostrando segundos depois um medroso
contumaz. Outro, vaidoso, diz que ainda vão fazer uma estátua dele na cidade,
ele quer que seu trabalho seja valorizado. A tia aconselha a menina a ficar em
um lugar em que não possa causar problemas. A sábia criança responde: “Um lugar
onde não existem problemas, você acha que existe um lugar assim? ”. É a deixa
para que ela entoe a linda música-tema “Somewhere Over The Rainbow”, além do
arco-íris deve existir essa terra utópica. Em apenas cinco minutos o roteiro
estabelece o tema principal: a necessidade de manter viva sua criança interna,
enfrentando o medo e questionando sempre, ao invés de se apoiar totalmente em
muletas existenciais.
Quando a vizinha diz que vai mandar sacrificar o cão, os
tios inicialmente não demonstram reação, algo que só acontece quando a menina
pede para que o castigo seja dado a ela, poupando seu animal de estimação. A
simples menção de uma lei faz com que a tia se amedronte (“não podemos
descumprir a lei”), o tio é capaz de tirar o cão dos braços da menina para
entregar à vizinha. A brutalidade da cena é impressionante. Ao tentar reunir
forças para defender a sobrinha, a mulher logo se vê tolhida por suas crenças
religiosas (“faz vinte e três anos que morro de vontade de dizer o que penso,
mas sendo uma boa cristã, não posso dizer nada”). O misticismo retorna no auge
do desespero da menina, que foge com Totó, o encontro com o mágico itinerante,
que exibe teatralidade ao conquistar sua atenção com a bola de cristal. Ele
pede para que ela feche os olhos e se concentre, enquanto procura algo na cesta
dela que facilite sua “visão”. Seguindo a descrição da foto encontrada, ele a
acalma e a faz ter pena da tia. A mentira, utilizada com boa intenção, traz paz
e conforto. Ela corre para casa, o furacão conduz ela para o mundo dos sonhos,
o sépia é substituído pelo escapista Technicolor, a melodia “Somewhere Over The
Rainbow” se faz presente reforçando o abraço da ilusão.
Glinda, a bruxa bondosa, a lembrança de sua falecida mãe,
aparece em uma bolha cor de rosa. Em algumas versões de outras mídias ela é
mostrada como a responsável pelo furacão, o símbolo da solidão angustiante da
filha, a morte. A casa, símbolo da criança protegida do mundo, caiu sobre a
bruxa má, o que enfurece a irmã, projeção da vizinha. Da mesma forma que a
menina, indiretamente, por causa do cão, causa a fúria daquela mulher. Ela
então é aconselhada a não se afastar da estrada dos tijolos amarelos. Mas nada
é simples e seguro, a estrada logo se bifurca em dois caminhos aparentemente
idênticos. A vida é feita de escolhas. O espantalho é triste por não conseguir
assustar ninguém, coloca a culpa de seus problemas na ausência de cérebro. O
homem de lata, sem óleo, estagnado, imóvel como a estátua que sua versão humana
desejava. A valorização de outrem não importa quando o próprio indivíduo não se
valoriza. Ele coloca a culpa de seus problemas na falta de coração. O leão
gosta de parecer brigão, valente, mas ao primeiro sinal de revide, ele chora. Ele
se cobra demais. E coloca a culpa de seus problemas na falta de coragem. Todos
então marcham cantando ao encontro do grande mágico, a solução divina.
Ao chegarem na Cidade das Esmeraldas, obviamente tocam o
sino. O porteiro atende chateado, mostrando uma placa que informa que o sino
está quebrado. A mentira é clara. Os visitantes são levados a crer em algo que
evidentemente não é verdadeiro. Esse é o tom da aventura. O grande mágico se
revela uma tola farsa. E, da mesma forma que o itinerante, sua versão no mundo
real, utilizou uma mentira para fazer com que a menina voltasse para casa, ele
faz todos acreditarem que seus desejos estão sendo atendidos, ainda que não da
forma como eles esperavam. E qual a forma encontrada? O reconhecimento de
outrem. Um diploma para o espantalho, uma medalha para o leão, um relógio em
formato de coração para o homem de lata. Eles, adultos inseguros, precisavam
apenas do aval alheio, eles já tinham as qualidades que buscavam. Já a menina,
uma última frustração como parte do duro aprendizado, o balão que a levaria de
volta para o Kansas parte sem ela. Novamente, no auge do desespero, a figura da
mãe reaparece. Dorothy, já confortável em sua cama, aprende por ela mesma que
na vida real não há respostas fáceis.
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