As Aventuras Extraordinárias de Mister West no País dos Bolcheviques (Neobychainye priklyucheniya mistera Vesta v strane
bolshevikov - 1924)
O cinema faz rir, chorar e, com sorte, pensar. Uma das
funções do crítico é explicar como a equipe do filme conseguiu transmitir a
emoção para o espectador. Um dos homens responsáveis pela evolução do alicerce
mais fascinante, a montagem, dirige essa pérola soviética muda. Lev Kuleshov
não costuma ultrapassar a fronteira das faculdades de cinema, a sua obra ainda
é bastante desconhecida, um equívoco que está sendo remediado pelo trabalho
imprescindível da CPC - UMES Filmes, responsável por levar ao público
brasileiro filmes importantes na história do cinema russo. Sem Kuleshov,
Eisenstein e Vertov, não haveria cinema. O grande problema da ferramenta
outrora, os vazios entre um corte e outro, o teatro filmado, obstáculos para o
desenvolvimento de uma linguagem visual que precisava ousar. O “Efeito Kuleshov”,
princípio simples e brilhante, a justaposição de tomadas descorrelacionadas
causando interpretações radicalmente opostas no público, mudando apenas uma das
tomadas. Ao inserir a imagem de um prato de comida entre duas tomadas mostrando
o rosto inexpressivo de alguém, o espectador é levado a concluir que o
personagem está com fome. Caso a imagem inserida seja a de uma criança feliz, o
espectador concluiria que o personagem está se lembrando de sua infância. A
montagem tem o poder de manipular a mente do público. E “As Aventuras
Extraordinárias de Mister West no País dos Bolcheviques” é um dos experimentos
mais interessantes do período.
O roteiro foi escrito pelo poeta Nikolai Aseyev, mas o
diretor e seu pupilo Vsevolod Pudovkin trabalharam no material, uma debochada
sátira ao modo como o povo russo era visto pelos jornais internacionais e pelo cinema norte-americano. É
propaganda socialista, o desfecho força a mão nesse sentido, uma variação do tradicional happy ending ianque, tão ilusória quanto a original, mas a estrutura
narrativa não envelheceu, as hilárias apropriações dos maneirismos dos galãs da
época, a desconstrução de convenções do faroeste, a reverência aos cortes rápidos das comédias de Mack Sennett, o tipo Harold Lloyd
defendido pelo protagonista, símbolo da ingenuidade comercialmente lucrativa, Mister West (Porfiri Podobed), agarrado à sua
bandeirola dos Estados Unidos, que teme encontrar os selvagens e cruéis cossacos
na sua viagem para a Rússia. Ele convoca como seu guarda-costas um vaqueiro
típico das matinês hollywoodianas, vivido pelo diretor Boris Barnet, disparando
seu revólver adoidado pelas ruas de Moscou, uma sequência maravilhosa. O
interessante é que o roteiro utiliza o preconceito do protagonista como mote
para a sua própria desgraça, um grupo de vigaristas faz uso da teatralidade
para extorquir todos os seus preciosos dólares, adotando exatamente os tipos amedrontadores
que estampavam as propagandas capitalistas. A comédia “Os Russos Estão
Chegando! Os Russos Estão Chegando! ”, dirigida por Norman Jewison quarenta e
dois anos depois, surpreendeu o mundo pela forma simpática e humana como os
russos foram retratados. A estratégia comum de desumanização do “inimigo” é
tola, rejeita o diálogo, alimenta a cultura do medo. A ridicularização proposta
por Kuleshov também está longe de ser louvável, mas funciona enquanto comédia
farsesca.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "CPC UMES Filmes".
Descoberta maravilhosa
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