Foi lançado nos cinemas nacionais no último final de semana o
excelente “A Assassina”, de Hou Hsiao-Hsien, uma incursão poética no subgênero wuxia,
filmes de época que misturam fantasia (personagens que voam, por exemplo) com
artes marciais, sobre protagonistas que prezam a honra e a justiça, o molde que
George Lucas usou na criação de seus Cavaleiros Jedi. Fiz uma maratona e revi
os meus filmes favoritos, além de conhecer alguns novos, para preparar essa
lista. Foi interessante perceber que, ao contrário de boa parte dos gêneros
cinematográficos, a nostalgia não favorece os clássicos, considero que o avanço
da tecnologia nos últimos trinta anos foi essencial para os wuxia. Muitos dos
títulos importantes no contexto histórico, como eu pude comprovar nessa
revisão, não foram beneficiados pelo teste do tempo. Alguns já tiveram textos
aqui no blog, outros terão em breve, então eu não vou fazer análises longas
sobre cada obra, apenas despretensiosos comentários. A lista está em ordem de
preferência.
1 – Herói (Ying xiong – 2002)
É impressionante como o filme dirigido por Zhang Yimou se
mantém tão emocionante quanto eu me lembrava, como o equilíbrio perfeito entre
os impulsos wudang (força interior) e shaolin (força exterior) que movem o
guerreiro sem nome vivido por Jet Li. A beleza contemplativa nos
enquadramentos, uma fotografia deslumbrante, divide espaço com sequências
verdadeiramente empolgantes.
2 – A Assassina (Nie yin niang – 2015)
Quando eu me lembro de “Barry Lyndon”, uma das obras-primas
de Kubrick, as imagens se sobrepõem à trama, fortes e de uma beleza de se
admirar de joelhos. O mesmo ocorre com essa preciosa incursão do taiwanês Hou
Hsien-Hsiao no subgênero, subvertendo as expectativas de todos ao abraçar
respeitosamente a tradição sem perder contato com seu estilo contemplativo.
3 – O Grande Mestre Beberrão (Da zui xia – 1966)
Hoje a indústria norte-americana celebra fortes
protagonistas, heroínas que não dependem dos homens, mas esse filme pioneiro no
subgênero, dirigido por King Hu, já fazia isso em meados da década de sessenta,
com a temida Andorinha Dourada, vivida por Cheng Pei-Pei. Utilizando a técnica
de dança da heroína na coreografia das lutas, Hu consegue elaborar um estilo
elegante, onde cada movimento é friamente calculado, um contraponto
interessante ao estilo despretensioso do bêbado, que é tão competente, que
consegue fingir que não há disciplina alguma.
4 – Cinzas do Passado (Dung che sai duk – 1994)
Esse foi melhorando com o tempo, acho que eu não tinha
maturidade suficiente na estreia para absorver os temas abordados, estranhei as
poucas cenas de lutas. Quando saiu a versão Redux, em 2008, foi como ver algo
totalmente novo, compreendi a relação entre a vastidão dos cenários e a
pequenez dos personagens. Wong Kar-Wai estabelece um clima tão hipnótico que a
trama, seja ela qual for, não se torna relevante. Não pode ser reduzido a
apenas um wuxia memorável, ele é um dos filmes mais bonitos de todos os tempos.
5 – Era Uma Vez na China (Wong Fei Hung – 1991)
Uma ótima introdução para o subgênero, já que mistura
elementos dos wuxia com a ação menos fantasiosa e o senso de humor dos projetos
mais populares de artes marciais. O diretor Tsui Hark, da geração que renovou o
gênero no final da década de setenta, também entregou uma sequência tão boa
quanto, mas o último projeto da trilogia é fraco. Jet Li vive o herói histórico
que lutou para encontrar paz trilhando um caminho honrado em meio a um conflito
entre culturas.
6 – O Tigre e o Dragão (Wo hu cang long – 2000)
Talvez seja o mais popular wuxia de nosso tempo, um projeto
pensado para exportação, o seu sucesso de público e crítica foi avassalador, mas
não apresentou grandes novidades para aqueles que já conheciam o subgênero. Ang
Lee é um artesão minucioso, o que se reflete em cada cena. A trama de conceitos
diluídos, um romance no diapasão ocidental, mas emoldurada com raro requinte.
Vale destacar a química entre o trio de protagonistas: Michelle Yeoh, Chow Yun-Fat
e Zhang Ziyi.
7 – O Clã das Adagas Voadoras (Shi mian mai fu – 2004)
O desfecho poderia ter sido mais bem pensado, prejudica o
filme, mas a soma dos fortes méritos na condução de Zhang Yimou faz valer a
experiência. Mais sentimental e romântico do que “Herói”, esse é o filme
perfeito para apresentar o subgênero para aquela sua namorada que diz não
suportar filmes de artes marciais. A sequência da batalha na floresta de bambu
é impressionante, as lutas coreografadas por Ching Siu-Tung são inesquecíveis,
intensamente criativas na utilização de elementos do cenário.
8 – A Tocha de Zen (Xia nu – 1971)
Esse clássico influente de King Hu fez história ao ser
premiado em Cannes, um selo de prestígio que alçou o gênero ao patamar que
merecia, mas a sua longa duração, mais de três horas, não ajudou no teste do
tempo, percebi nessa revisão que a trama se arrasta em diversos momentos, com
desajeitado equilíbrio entre a lenta primeira metade e o excesso de ação na
segunda. Mas os seus pontos fortes, a fotografia que me remete ao “Kwaidan” de
Kobayashi, o simbolismo dos valores budistas e a jornada espiritual
representada nos confrontos do terceiro ato, compensam com folga os problemas.
9 - Dragon Gate Inn (Long men kezhan – 1967)
Mais um importante filme de King Hu na lista, cineasta que
precisa ser resgatado pelas distribuidoras de nosso home vídeo, para que a nova
geração não tenha que garimpar tanto quanto eu precisei na minha adolescência.
Em essência, um filme de câmara, que tenho certeza que foi uma das inspirações
mais fortes de Tarantino em seu recente “Os Oito Odiados”, com uma primeira
hora brilhante, que se perde um pouco no segundo ato.
10 – The New One-Armed Swordsman (Xin du bi dao – 1971)
Por mais que seja importante valorizar o pioneirismo do
original “One-Armed Swordsman”, de 1967, não consigo gostar do filme. Assim
como Howard Hawks, que reutilizou a trama de “Rio Bravo” em mais dois projetos,
o excelente diretor Chang Cheh consegue com essa reinvenção aprimorar todos os
elementos já trabalhados no primeiro e no segundo, tendo com David Chiang um
protagonista mais talentoso. Mas vale destacar que a obra não tem a elegância
dos filmes já citados na lista, seguindo mais a pegada das produções de artes
marciais dos Shaw Brothers, nem representa o que de melhor o diretor fez fora
dos wuxia, como “Vingança”, “O Assassino de Shantung”, “Os Cinco Venenos de
Shaolin” e “Shaolin Martial Arts”.
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