Duna (Dune – 1984)
“Duna”, de Frank Herbert, foi um dos primeiros livros de ficção científica que li na minha pré-adolescência, no início da década de noventa, mesmo período em que colecionava a “Isaac Asimov Magazine”, chocando mensalmente o jornaleiro com meu interesse naqueles contos adultos, uma publicação primorosa da Editora Record, símbolo de uma época mais elegante nessa nação. Fui ler os livros posteriores das crônicas somente mais tarde, já cursando faculdade, são muito interessantes, mas o original segue forte em minha memória afetiva.
As primeiras duzentas páginas são arrebatadoras, uma fascinante construção de universo, estabelecendo os alicerces das intrigas políticas na disputa entre os Atreides e os Harkonnen, tendo a ambição pelo controle da especiaria alucinógena melange, encontrada apenas no planeta desértico Arrakis/Duna, como uma óbvia metáfora para a exploração do petróleo no Oriente Médio. O povo Fremen (variação de “homens livres”) que se adaptou ao convívio diário com a ameaça dos gigantescos vermes da areia, sobrevivendo com a ajuda de seus trajestiladores, trajes que reaproveitam a água desperdiçada do corpo no calor intenso, aguarda a chegada de seu profetizado messias Muad’Dib, que irá liderar uma jihad no futuro.
A história é envolvente, sem muitas sequências de ação, mérito da prosa irretocável do autor. Não há possibilidade de reduzir o escopo filosófico da trama a um par de horas em um projeto cinematográfico que visa atingir todos os tipos de público, mas a essência poderia ser mantida. Por mais interessante que seja conhecer os bastidores da megalomaníaca produção que seria dirigida pelo chileno Alejandro Jodorowsky, matéria do documentário: “Duna de Jodorowsky”, dá pra entender as razões que fizeram com que essa tentativa fosse abortada em avançado processo de realização. Com a entrada do produtor italiano Dino De Laurentiis, no final da década de setenta, o livro teria finalmente uma versão cinematográfica fiel em espírito e letra, a despeito do pouco interesse do diretor/roteirista David Lynch no livro e na ficção científica como um todo. E talvez eu seja um dos poucos que preferem o corte estendido para televisão, renegado por Lynch, tão imperfeito quanto o corte oficial, com uma longa introdução narrada emoldurada por desenhos, substituindo a breve exposição hipnótica da bela Virginia Madsen, emulando a onipresença da Princesa Irulan no início de cada capítulo do livro. A direção de arte, o design de produção e as caracterizações, assim como em "Blade Runner", são tão impressionantes que firmaram as imagens em meu inconsciente, nas duas vezes em que reli a obra eu não consegui desassociar visualmente o livro do filme.
Um dos pontos criticados por muitos é a opção pela constante intrusão dos pensamentos dos personagens, recurso utilizado frequentemente no livro, algo que efetivamente prejudica o ritmo do filme, mas também agrega uma aura de fábula. O jovem protagonista, Paul Atreides, vivido por Kyle MacLachlan em seu primeiro papel no cinema, percorre a clássica jornada do herói, uma espécie de Lawrence da Arábia, sendo afastado brutalmente de sua figura paterna e jogado pelo destino em um cenário inóspito de desafios praticamente insuperáveis. Ele, criado em uma sociedade mais civilizada que priorizava as estratégias de defesa, simbolizadas pela utilização do escudo de força pessoal e do resgate das elegantes armas brancas, em detrimento da artilharia bélica, precisa enfrentar com inteligência um grupo de selvagens que valoriza mais o impacto destruidor do ataque do que a perícia com que executa o mesmo.
Vale destacar a bela trilha sonora composta por Toto, com a adição de um tema de Brian Eno, um elemento que ajuda a estabelecer o tom correto de desolação e imponência que equilibra a grandiosidade do universo abordado e a pequenez dos personagens inseridos nesse contexto, o embate entre a lógica científica das Bene Gesserit e o pulsante fervor religioso dos Fremen.
A versão cinematográfica de "Duna" merece ser reavaliada com mais carinho pelos críticos da nova geração.
A Editora Aleph lançou os primeiros três livros da saga de Frank Herbert: “Duna”, “Messias de Duna” e “Os Filhos de Duna”, edições obrigatórias na estante de todo apaixonado pela literatura de ficção-científica.
Ainda não tive o prazer de ler os livros, mas de assistir o filme, em 2012 pela primeira vez, e fiquei muito satisfeito com tudo.
ResponderExcluirOs efeitos especiais, para um filme de 84 é excelente. E até mesmo as limitações são justificáveis na história e no contexto em que vivem as personagens.
Além do contexto político e lógico, a trama do filme intercala também, e muito bem, questões de crença e profecias. Temas que sempre foram muito bem trabalhados em obras de ficção, melhor que na religião no meu ponto de vista.
Não há críticas para Duna, somente faria se quisessem dar um reboot e refilmar. Isso é desnecessário.