O Milhão (Le Million – 1931)
Quem me apresentou esse filme adorável, meu primeiro contato
com a filmografia do francês René Clair, foi o extinto programa “Cine Vida”, apresentado
pelo saudoso crítico José Tavares de Barros e pelo Brancato Jr., que passava há
uns quinze anos no horário nobre dos Sábados no canal católico “Rede Vida”. A
programação era formada só por biscoitos finos, passava Irmãos Marx, Chaplin,
Hitchcock da fase britânica, William Wyler, obras clássicas que eu não
encontrava nos garimpos nas videolocadoras, então gravava tudo em VHS.
“O Milhão” é um dos poucos filmes que vejo do início ao fim com
um sorriso no rosto, uma trama simples, onde um rapaz endividado vende o seu
casaco sem saber que tinha um bilhete premiado de loteria no bolso. A estrutura
da história contada em um estilo de vaudeville, fonte do material original de
Georges Berr e Marcel Guillemaud, com a arriscada adição do elemento da opereta
como forma de transformar os diálogos da peça em canções, resultou em um
projeto que mantinha o charme da comédia muda na atuação do elenco, enquanto todos
ainda se adaptavam ao recurso do som, experimentando ousadamente um musical
onde as letras são inseridas criativamente nas cenas, trabalhadas de forma tão
brilhante que esses interlúdios não quebram o ritmo da ação. Na sequência
inicial vemos uma festa barulhenta que faz com que dois vizinhos adentrem
tentando entender a razão de tanta alegria, o roteiro nos conduz então em um
flashback, mas sem interesse em despertar dúvidas a respeito do destino do protagonista.
Não há reviravolta chapliniana, o herói acabará nos braços da bela jovem, o
bilhete será encontrado. Esse positivismo, sem traço algum de cinismo, faz
falta nas comédias modernas.
Adoro a sequência da ópera, com o casal de cantores vendendo
a ilusão do romance no palco, enquanto o casal protagonista, escondido no fundo
do cenário, redescobre o amor e a cumplicidade outrora abalada numa mímica cômica
de tudo o que está sendo cantado pelo tenor. Quando pensamos que a cena havia
esgotado suas possibilidades, Clair insere uma hilária disputa pelo casaco,
filmada como uma partida de rugby, com direito a ovação da plateia, um recurso inventivo
onde o som divergia totalmente da realidade do momento, algo que os jovens da
Nouvelle Vague fizeram na década de sessenta e muitos achavam cool. O diretor normalmente
é lembrado por filmes menos despretensiosos, como “A Nós a Liberdade”,
homenageado por Chaplin em “Tempos Modernos”, mas o meu favorito dele continua
sendo “O Milhão”.
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