Link para os textos do especial que resgata os filmes que marcaram minha infância e adolescência na “Sessão da Tarde” e “Cinema em Casa”:
Lili (1953)
É ótimo que essa edição lançada agora em DVD pela distribuidora “Obras-Primas do Cinema” resgate a clássica versão dublada, com Leslie Caron na voz da grande Nair Amorim, o que facilitou tremendamente no fator da nostalgia, trazendo de volta a mesma emoção, com um filme que eu não via desde aquela época. A linda canção “Hi-Lili, Hi-Lo”, que embalou minha infância na versão cantada por Gal Costa e Trem da Alegria, tem uma aura de pureza e sonho, aquela elegância que o mundo moderno substituiu pelo cinismo.
O filme, dirigido pelo especialista em leveza: Charles Walters, de “Alta Sociedade”, “Desfile de Páscoa” e “Ciúme, Sinal de Amor”, consegue inserir toques sombrios, como a tentativa de suicídio da protagonista logo no início, em um contexto que se assemelha ao de um livro infantil, mas sem o melodrama forçado que se esperaria após a leitura da sinopse. Caron encanta como a adolescente ingênua Lili, que acaba de perder os pais e precisa compreender sua pequenez diante dos conflitos da maturidade que se vislumbra no horizonte. Mel Ferrer, como o titereiro que se apaixona por ela, transmite nos olhos a gentileza que foi suprimida por sua experiência traumática na guerra. Ele esconde seus sentimentos por trás dos bonecos, o lúdico da criança que ele extirpou como forma de proteção. E a jovem promove inconscientemente esse reencontro. Lili enxerga nos bonecos o acolhimento parental recentemente perdido, ela enxerga além da mão que os manipula, a sua docilidade intocada pela hipocrisia adulta os transforma em seres vivos, um dos elementos mais bonitos do roteiro.
Na sequência musical onírica do terceiro ato, onde os bonecos efetivamente ganham vida, a protagonista tenta lutar contra seus impulsos românticos, símbolo da maturidade, enquanto se afasta daquele universo que a havia abraçado. Cada boneco tem a chance de uma última dança, antes de tomar a forma do titereiro e se fundir aos passos já trilhados no caminho. A poesia nesse momento é das coisas mais lindas que o cinema mostrou em sua década. E vale ressaltar que a coreografia nessa cena, inicialmente comum, vai se tornando cada vez mais sensual, uma representação óbvia de que a menina está se permitindo tornar mulher. A imagem do desfecho me emocionava na época e me emocionou nessa revisão. É simples, mas poderosa em sua simbologia.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Obras-Primas do Cinema".
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