Star Wars - O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens - 2015)
Posso resumir a emoção da sessão informando que, ao final,
quando o acender das luzes me forçou a dar os primeiros passos em direção à
saída da sala escura, eu me esqueci de conduzir de volta para a realidade a
minha criança interna. Ela continua lá, sentada na poltrona, imersa nos sonhos
espaciais criados por George Lucas, cantarolando as melodias compostas por John
Williams. A nostalgia é um fator essencial nessa experiência, mérito de uma
franquia que conquistou em quase quatro décadas o investimento emocional de
várias gerações, porém, ela não pode cegar o crítico em sua análise. Então prefiro
abordar logo o maior problema do filme. O roteiro, escrito por J.J. Abrams,
Lawrence Kasdan e Michael Arndt, por mais eficiente que seja, recicla sem
originalidade a trama do original de 1977, adicionando os melhores momentos de “O
Império Contra-Ataca” e “O Retorno de Jedi”.
As semelhanças não são trabalhadas de forma sutil, existe a
intenção óbvia de repetir as mesmas catarses utilizando o mesmo esquema visual.
O fã mais hardcore, aquele que estudou todo o universo expandido e conhece
todos os figurantes pelo nome, pode se sentir traído no que é, de fato, um
reboot disfarçado, com uma substituição dos personagens velhos pelos novos,
mas, basicamente, mantendo as mesmas funções narrativas. Já que citei o
universo expandido, vale dizer que vários livros e quadrinhos exploraram com
muito mais engenhosidade as variadas possibilidades abertas pela trilogia
clássica. O futuro oficial, nesse novo cânone administrado pela Disney, além de
abraçar informalmente algumas ideias boas dessas obras, peca pela preguiça em
desbravar esse universo. Dito isso, está na hora dos fãs darem o braço a
torcer, a trilogia prequel, mesmo com seus defeitos, ao menos ousou dizer algo
novo, com uma estrutura nova. Lucas foi preciso ao afirmar recentemente, em tom
irônico, que o novo filme entrega exatamente o que os fãs queriam ver. O ser
humano não gosta de ser surpreendido, ele prefere receber o mesmo produto, com
leves modificações.
Consciente de que o Episódio Sete é uma grandiosa homenagem
que, nas entrelinhas, continua a saga, você começa a enxergar a beleza inerente
ao projeto. A linda cena, mostrada no trailer, onde Han Solo afirma para os
jovens que tudo que eles escutaram sobre os Jedi e o Lado Negro era verdade, na
realidade, resume o leitmotiv do filme: Uma declaração de amor aos fãs da
franquia, proferida com ternura por um dos personagens mais queridos, que, olhando
diretamente para o público, confirma que a identificação que eles sempre
tiveram com aquelas batalhas internas, o menino que aprendeu a vencer os medos
com ajuda de seu sabre de luz de plástico, a Força usada como elemento motivacional
pelos pais que tentam ensinar aos filhos pequenos os valores éticos e a
necessidade de seguir o lado da bondade, o profundo carinho que eles depositaram
nesse sonho, tudo é intensamente real e belo. Esse resgate de valores humanos
mais nobres, simbolizado no roteiro pelo arco narrativo da jovem Rey, vivida
pela encantadora Daisy Ridley, esse despertar, especialmente na época em que
vivemos, com a sociedade lutando pra manter a esperança, ganha contornos épicos
acalentadores. É tocante o respeito com que J.J. Abrams aborda esses estímulos,
compensando os problemas com uma dose generosa de coração.
Lucas nunca foi um competente diretor de atores, logo, temos
na figura linda e carismática de Ridley a melhor atuação de toda a franquia até
o momento. A garota impressiona em todas as variações emocionais, exalando a
elegância natural, sem esforço, de uma Audrey Hepburn, com um perfeito timing
cômico. Aliás, o maior ponto positivo do projeto foi conseguir uma trinca de
atores tão, ou até mais carismáticos (já que defendem diálogos mais orgânicos),
do que o trio formado por Mark Hamill, Carrie Fisher e Harrison Ford. Os heróis
da resistência: Ridley, John Boyega e Oscar Isaac, estabelecem um pano de fundo
fantástico para ser desenvolvido nos próximos filmes. Você verdadeiramente é levado
a se importar com suas ações, algo muito difícil de ser alcançado em um
blockbuster que precisa dedicar bastante tempo em cenas de ação. O excelente primeiro
ato ajuda nesse sentido, com uma introdução cuidadosa para cada um dos três.
A trilha de John Williams, ainda que recorra bastante aos
temas famosos, consegue inserir pelo menos um tema que merece destaque, o tema
da Rey, com sua base melódica que remete ao lúdico infantil, algo que pode ser
trabalhado/expandido nas sequências. Outro ponto positivo que merece ser
destacado é o humor, algo que nas prequels era trabalhado com mão pesada, volta
à leveza contagiante dos originais. O robô BB-8, sem exagero, é um tremendo
acerto, desde o design, que fala diretamente à infância de todos nós, até a
maneira encontrada para ele se expressar. No outro espectro do sentimento, Adam
Driver, como o sombrio Kylo Ren, transmite com precisão a angústia e a raiva que
movem o personagem. Em revisão, algumas opções em sua atuação ganham ainda mais
relevância. Já o personagem enigmático vivido por Andy Serkis, uma variação sem
brilho do Imperador da trilogia original, precisa ser mais bem desenvolvido.
Contrastando bastante com a opção acertada pelos efeitos práticos, a sua figura
acaba servindo mais como distração, como um personagem de desenho animado
inserido em um filme live action.
A maneira encontrada pelo roteiro para finalizar a obra, não
somente é perfeitamente coerente com o leitmotiv, como também, visual e
simbolicamente, mereceu cada aplauso emocionado recebido na sessão. Eu quero
rever algumas vezes, nem que seja apenas pelo pretexto de ir buscar minha
criança interna esquecida na poltrona.
Nenhum comentário:
Postar um comentário