Link para os textos do especial:
Superman – O Filme (Superman – 1978)
Tarantino explicou em sua obra "Kill Bill" as
razões que o levam a preferir o herói de Krypton em detrimento de outros. No
filme, David Carradine diz em seu monólogo que as histórias dos quadrinhos não
são as melhores, nem as mais bem desenhadas. Seus vilões não são os mais
interessantes, mas a sua mitologia é rica e fantástica. O Batman é Bruce Wayne, ele acorda como Bruce Wayne, torna-se o Cavaleiro das Trevas ao
vestir seu uniforme, mudando sua voz e suas atitudes. O Superman já acorda
sendo Superman, ele é o último filho de um planeta extinto, o seu disfarce é
Clark Kent. Ao assumir a identidade do repórter do Planeta Diário, o filho de
Krypton pode conviver com os mortais e estar próximo para defendê-los. Clark
Kent exemplifica o modo como o herói vê os seres humanos: uma caricatura, tola e desajeitada.
O herói criado na década de 30 teve, desde seu início, uma
conexão forte com o mundo do cinema. O nome para a cidade de Metrópolis nasceu
da admiração dos criadores pelo filme alemão de mesmo nome, dirigido por Fritz
Lang, assim como seu nome foi inspirado nos atores Clark Gable e Kent Taylor,
tendo sua aparência física sido inspirada pelo cômico Harold Lloyd. É
impossível falar do personagem sem mencionar Christopher Reeve. O primeiro
filme marcou época por uma combinação de motivos, uma direção séria e competente de Richard Donner, que acreditava que
devíamos realmente crer nesse herói, algo feito possível graças à escalação de
Reeve para o papel. Um roteiro inteligente e adulto de Mario Puzo, que escreveu
"O Poderoso Chefão", e uma trilha sonora inesquecível de John
Williams que se tornou uma referência. É impossível desvincular qualquer um dos
fatores que criaram esse clássico sem afetar o produto final.
Reeve mostrou-se um homem de caráter e moral inabaláveis
após seu trágico acidente e reforçou mais ainda sua imagem como um verdadeiro
herói. Ele acreditava na verdade e na justiça que o personagem defendia, a sua
interpretação transparecia esse comprometimento. Na icônica cena de salvamento,
onde vemos o homem de aço voando para salvar Lois Lane, nota-se que ele não
duvida em nenhum momento de que irá impedir a queda daquele helicóptero. Como a
propaganda nos cinemas dizia à época, ele realmente nos fez acreditar que um
homem poderia voar. Quando foi fazer o teste de elenco para o primeiro filme,
ele em nada se parecia com um "homem de aço", muito magro e
terrivelmente nervoso, ostentou o famoso "S" no peito e buscou não
aparentar ser um deus indestrutível, mas, sim, um educado e galante visitante das
estrelas disposto a se ambientar em um planeta estranho. Sua postura chamou a
atenção do diretor, que conseguiu ver além do que o físico franzino e o suor de
nervosismo transpareciam. Ele viu naquele jovem que havia acabado de se
profissionalizar como ator, sem nenhuma experiência significativa na área, os
elementos que tornaram Superman um personagem tão importante no mundo: caráter,
dignidade e educação. Como o diretor mesmo citou em algumas entrevistas, o
jovem transbordava as qualidades essenciais para o personagem, somente foi
preciso lapidar seu corpo com exercícios para que alcançasse o porte físico
necessário. O mito irá viver eternamente. Enquanto houver esperança e
uma necessária e lúdica ingenuidade em cada ser humano, poderemos sempre contar
com o sorriso generoso e confortador dele, antes do fade out.
As adaptações de quadrinhos hoje são regra, com os
produtores conseguindo qualquer astro importante e respeitado em seus cartazes,
porém, houve uma época em que as adaptações de quadrinhos não eram apenas a
exceção, como exalavam também uma aura de amadorismo, afinal, era considerado
entretenimento para crianças pequenas e infantilizados adultos. Quando o
diretor Richard Donner convocou Marlon Brando, simplesmente o ator mais
respeitado na época, para interpretar o pai biológico do Superman, o mundo
tremeu. Com ele no elenco, foi mais fácil encaixar outros nomes respeitados,
como Glenn Ford, Gene Hackman, Terence Stamp, Trevor Howard, Maria Schell e
Susannah York. E, tenho certeza, sem o jovem Christopher Reeve vivendo o herói,
o filme seria hoje apenas uma curiosa nota de rodapé. Ele representava, fora
das câmeras, todas as características nobres do personagem, enquanto a magia do
cinema se responsabilizou pelos superpoderes.
A cena que insere o filme nesse especial ocorre por volta de
uma hora de projeção, após o roteiro nos apresentar os primeiros passos de
Kal-El na Terra e suas primeiras tentativas de emular os seres humanos, como o
atrapalhado Clark Kent, em Metrópolis. É o momento da grande revelação, a
celebrada cena do resgate do helicóptero. A meu ver, uma aula de como a trilha
sonora pode funcionar como elemento narrativo. O compositor John Williams faz
uma sutil referência ao tema que emoldura o trágico sacrifício dos pais do
herói em Krypton, ligando a “morte” do bebê enviado ao espaço com o “renascimento”
do adulto em sua vida pública. Ele utiliza no início instrumentos de sopro como
forma de potencializar a urgência do momento, o desespero de Lois Lane em um helicóptero
que perde seu piloto, ficando preso no topo do edifício do Planeta Diário. O
povo começa a se aglomerar na calçada, enquanto a repórter se agarra a um fio,
a queda é iminente, a trilha enfatiza isso. Quando ambulâncias são mostradas
chegando ao local, Williams insere uma linha melodicamente mais terna, como que
celebrando o potencial humano para a bondade, ainda que nesse caso não seja
suficiente.
Clark aparece na calçada e percebe o chapéu de sua colega no
chão. Na trilha, sutilmente, tomando o tempo, escutamos os primeiros movimentos
do tema do herói, que vai tomando ritmo, ainda que despido de qualquer
grandiosidade, quando o personagem busca um local para trocar de roupa. Ao
finalmente revelar o símbolo numa corrida em direção à câmera, Williams
apresenta a fanfarra de Superman em pequena escala, com maior ênfase nos
elementos musicais que representavam sua origem alienígena. Ele resgata Lois, a
fanfarra dá lugar brevemente ao tema de amor, tocado de forma calorosa, até que
um som dissonante sinaliza a queda do helicóptero. E, quando Superman impede a
queda, numa finalização emocionante, a fanfarra do herói é apresentada de forma apoteótica, pela
primeira vez, com a orquestra completa, simbolizando o triunfo máximo do
personagem: a sua harmonia interna, amalgamando os elementos sonoros alienígenas e humanos.
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