Que Horas Ela Volta? (2015)
Tentarei utilizar o espaço de forma construtiva, já que a
obra está repercutindo positivamente, sendo, em um ano especialmente fraco para
o cinema nacional, um farol de boas intenções, que, com exceção dos pontos
salientados no texto, resulta em um produto acima da média. Iniciando, utilizo
como exemplo uma cena no primeiro ato, em que a empregada dá um presente pra
patroa, que reage sem sutileza, sugerindo que ela o guarde pra ser usado em
alguma ocasião especial. Ao final, a empregada, sozinha, carrega o presente e o
papel que o embrulhava. A patroa que, na mesma cena, demonstra não saber o nome
da filha da empregada. Caricatural demais, até para os padrões de Roberto
Benigni em “A Vida é Bela”. É uma cena importante, que estabelece com mão
pesada demais essa relação das duas. Vale salientar, no entanto, que é muito interessante
que esse conflito minimalista ocorra à luz de um cenário de teatralidade, já
que a patroa estava sendo filmada por uma equipe em uma entrevista, uma
analogia bem esperta de Anna Muylaert, infelizmente enfraquecida pelos
problemas já citados.
Outro problema grave: Regina Casé sinaliza para o
espectador, em todas as cenas, com caras e bocas pouco sutis, que ele deve
sentir pena de seu personagem, com a edição prolongando sempre os desfechos desses
momentos, um apreço quase sádico por uma espécie de comiseração imagética, um
sentimento que deveria ser despertado naturalmente pela execução do roteiro. Imagine
Chaplin, no clássico final de “Luzes da Cidade”, para compreender exatamente
como a piedade pode ser transmitida de forma inteligente e muito menos
manipulativa. Essa atitude, além de evidenciar o histrionismo da atriz, em
pouco tempo, desgasta o investimento emocional, passando a nítida impressão de
que a trama subestima completamente a inteligência do público. E essa impressão
pode ser sentida também nas tentativas de humor, como na cena onde a empregada tenta
dispor as xícaras de forma moderna, mais elegante, na bandeja. Sem timing cômico
algum, a situação se estende desnecessariamente, transformando Val em uma
caricatura tão ingênua que irritaria Jerry Lewis em seus antigos projetos.
Patroa cruel, insensível, com uma empregada ingênua,
boazinha, pobre coitada. Karine Teles, uma das mais competentes atrizes do
cinema nacional, consegue, na maior parte do tempo, operar a difícil alquimia
de fazer com que essa visão estereotipada soe crível, trabalhando o subtexto
das cenas, como na sutil maneira em que busca o desenlace rápido, quando abraça
a filha da empregada, próxima à mesa de jantar. Perceba também a expressão em seu
rosto numa cena, mais adiante, onde ela agradece Val, estando com o braço
imobilizado, trabalhando em sua cama. Já que os diálogos não ajudam, ela, como toda
boa atriz, foca sua atenção nos detalhes, olhares que a câmera capta
perifericamente, movimentos do corpo, aqueles elementos que parecem
imperceptíveis, porém, são registrados quase que subliminarmente pelos olhos do
espectador, agregando valor narrativo em revisões. A antítese do método
utilizado por Casé.
A mensagem social poderia ser exibida com mais tato, o terceiro ato deveria se apoiar menos em soluções convenientes, mas, sem dúvida, o filme satisfaz emocionalmente. É o melhor trabalho da diretora até o momento.
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