sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"O Julgamento de Viviane Amsalem", de Ronit e Shlomi Elkabetz


O Julgamento de Viviane Amsalem (Gett - 2014)
Como roteirista, eu sempre acreditei que o melhor caminho criativo é a restrição do ambiente em que ocorrem os conflitos dos personagens, o clássico conceito do “menos é mais”, como no caso da obra-prima de Sidney Lumet: “12 Homens e Uma Sentença”. E o trunfo dessa produção israelense reside na subversão do cenário usual dos dramas de tribunais, trabalhando com eficiência a claustrofobia de forma interna, palpável no desespero da esposa, já que o elemento externo, a sala dos juízes rabinos, iluminada e em tons brancos, não poderia aparentar ser mais confortável e harmoniosa. 

A pressão está confinada às expressões angustiadas da protagonista, interpretada por Ronit Elkabetz, que dirige o filme com seu irmão, Shlomi, com uma segurança invejável, mantendo a tensão em suas quase duas horas de diálogos, praticamente um teatro filmado. Os alívios cômicos brotam de forma inteligente no roteiro, com a função de salientar o absurdo da situação, a estupidez do machismo dominante em quase todas as ideologias religiosas. Em uma das cenas, o próprio irmão da personagem, ao testemunhar em sua defesa, inicia dizendo que, por mais que a ame, o marido dela canta tão bonito na sinagoga, parece até um pássaro, um homem perfeito. Ele complementa, para o choque dela, que já está vivenciando esse pesadelo burocrático há anos: “Uma mulher precisa ter limites”. As leis são criadas pelos homens, que se protegem em sua estupidez e insegurança.

O marido, uma amarga incógnita, não se preocupa em fornecer sequer um argumento para sua insistência no matrimônio, chegando ao ponto de, numa demonstração de total consciência do favoritismo da justiça, simplesmente se ausentar dos apontamentos no julgamento. Um dos juízes afirma, em uma cena importante, após escutar a reclamação do advogado da esposa, por ele ter questionado suas ações: “Todas as vidas dos homens estão em julgamento”. Esse julgamento patriarcal que abusa de conveniências, o que se escora no subjetivo elemento divino, é um dos alvos da trama, que expõe o ritual desumano de divórcio naquela sociedade, encabeçado por aqueles que acreditam deter uma autoridade superior, sempre posicionando a mulher abaixo de um mínimo nível de dignidade, precisando do consentimento do marido para obter a liberdade. Um dos muitos acertos da produção é nunca questionar esses procedimentos, estimulando a visão crítica que nasce da simples constatação, às claras, da tremendamente injusta escalada de absurdos inerentes ao fundamentalismo religioso. 

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