Esta é apenas a minha interpretação para a trama, porém cada
um criará sua própria e com certeza com ótimos argumentos que as sustentem.
Este elemento é um dos que fazem com que esta Arte seja tão apaixonante.
Como a pintura Rorschach que ornamenta o ambiente em uma das
cenas chave da trama, “Cisne Negro” (Black Swan – 2010) é passível a múltiplas
interpretações. A pintura também representa a essência da obra, em que a
protagonista valida o conceito freudiano da projeção, inconscientemente
atribuindo características negativas de sua própria personalidade a outros
personagens (especialmente Lily e sua mãe, que acredito ser uma criação de sua
mente). Escolhendo contar sua história a partir do ponto de vista da
protagonista, o diretor nunca deixa claro para o público se o que ele vê é real
ou uma projeção da mente perturbada da jovem. Darren Aronofsky idealizou o
projeto após ficar fascinado com “O Duplo” de Dostoiévski e imaginar uma
analogia com a trama do balé “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, que também
abordava o conceito de identidade. A escolha pelo mundo das bailarinas não
poderia ter sido melhor, posto que provavelmente seja aquele em que a busca
ininterrupta pela perfeição esteja mais presente (o culto à imagem, expressado
sutilmente nos vários espelhos e reflexos no chão). As bailarinas perseguem uma
perfeição impossível de ser alcançada e terminam destruindo seus corpos neste
cruel processo.
Nina (Natalie Portman) habita uma infantil “gaiola” rosa e
convive com seus ursinhos de pelúcia, sendo controlada por sua mãe (Barbara
Hershey), que habita outra “gaiola” que funciona como um perfeito espelho de
sua personalidade. Desenhos de Nina ocupam todo o espaço, deixando implícita
sua frustração, levando-a a projetar toda a sua ambição não realizada na filha
(ou seria a mãe uma ferramenta de autodefesa criada pela jovem?). No sonho que
inicia o filme, a jovem testemunha perplexa a transformação física de seu
parceiro de dança em uma ave de rapina, enquanto algo a impede de tornar-se um
cisne (de alcançar a perfeição). A razão principal está nesta “gaiola” que a
afasta progressivamente do mundo e a aproxima cada vez mais da medrosa proteção
hipócrita de sua “mãe” (seu "eu interior"). Nina reprime seus sentimentos,
caminhando cada vez mais torpe rumo à fronteira entre o real e o imaginário. Um
detalhe que ajuda a percebermos esta mudança sendo operada é percebermos os
momentos em que mãe e filha estão juntas em cena. Nas primeiras duas vezes,
ambas parecem sósias (mesmo penteado, mesma atitude corporal), porém com o
tempo vamos identificando mudanças na personalidade de Nina, que passa a
rejeitar sua mãe (os penteados mostram-se radicalmente opostos, o coque
impecável da mãe e o desgrenhado solto da filha), assim como descobrimos que
sua versão dupla que parece persegui-la nas ruas, sempre aparece com o cabelo
solto e uma atitude sensual. Próximo ao final, quando o estágio da rebeldia se
encerra (simbolizado quando Nina joga seus ursos de pelúcia no lixo) e tanto a
jovem como a mãe, naturalmente evoluem juntas após um confrontamento físico,
novamente utilizam o mesmo penteado, encontrando a harmonia (de Nina com ela
mesma).
Lily (Mila Kunis) representa seu exato oposto, exalando
sensualidade e uma postura relaxada, o que imediatamente provoca na insegura
jovem uma aceleração em seu processo de degradação mental. Após ter ido
desesperada ao encontro do diretor (Vincent Cassel), desastradamente buscando
ser aceita no papel principal, Nina acaba projetando sua culpa no
espelho do banheiro, onde descobre desenhado a batom a palavra: “prostituta”. O
auge desta projeção se apresenta quando Nina faz sexo com “Lily” (ela mesma) e
seu lado sensual vence a “doce menina”. Liberta das amarras psicológicas que a
reprimiam, passa a ser elogiada por seu diretor. Corajosa, enfrenta sua mãe (simbolicamente,
enfrenta a si mesma) e consegue enfim transformar-se em um cisne. No dia de sua
consagração, totalmente livre e confiante, “mata” sua projeção (simbolizada por
Lily) e alcança a perfeição no palco ao transformar-se no “Cisne Negro”,
recebendo empolgada ovação da plateia que grita seu nome. “Matando” sua
projeção, “mata” a si mesma, encerrando a obra de forma genial. Em minha
interpretação ela não morreu, mas sim aquela sua versão insegura de outrora,
que vivia sob uma constante pressão da “mãe”. Seu colapso mental vai se
intensificando com o tempo (os arranhões nas costas, cada vez maiores),
terminando por “matar” sua sanidade, sacrificada em prol de uma
perfeição ilusória, em nome da Arte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário