Projeto Flórida (Project Florida - 2017)
O roteirista/diretor Sean Baker, do corajoso experimento “Tangerine”,
filmado com celular, consegue executar com “Projeto Flórida”, cinema independente
de altíssima qualidade, o seu passo mais artisticamente maduro, elegante e
eficiente, uma obra que exala empatia por personagens usualmente estereotipados
em produções menos inteligentes.
O cenário é tomado por vítimas da imobilidade social, com
destaque para a encantadora e talentosa pequena Brooklynn Prince, que vive
Moone, acostumada a rondar pela região extravasando o desejo por liberdade,
apesar de morar no confinamento de um motel barato na beira da rodovia de
Orlando, o choque de realidade que vislumbra no horizonte o universo mágico
artificial do parque de diversões mais famoso do mundo.
A mãe, impecável atuação de Bria Vinaite, típico retrato da juventude
perdida com a maternidade indesejada, o cabelo colorido, a atitude irresponsável,
tatuagens pelo corpo evidenciando o desejo de se destacar de alguma forma na
multidão, porém, amorosa. A diversão das crianças é cuspir em carros, pedir
dinheiro a estranhos para comprar sorvete, traquinagens cometidas sempre com
sorriso no rosto. Os pais, compartilhando a dificuldade para pagar os trocados
por noite, lutam para manter a dignidade, evitando transmitir aos filhos o
escopo do sofrimento em suas rotinas diárias.
A câmera, primordialmente na mão, transmitindo
espontaneidade que pode ser tida equivocadamente como improviso, capta os olhos
cansados, a única maquiagem é o suor, o ato de envelhecer sem esperança. Vale
destacar a presença sempre competente de Willem Dafoe, vivendo um tipo cheio de
nuances, o gerente responsável por manter a ordem no local, figura de
autoridade quase sempre desrespeitada, mas que se mostra incapaz de não se
transportar emocionalmente para os problemas daquelas famílias, reconhecendo
que não são tão diferentes, todos lutam com extrema dificuldade.
Dentre todos os filmes que estão indicados ao Oscar neste
ano, “Projeto Flórida” é, sem sombra de dúvida, o roteiro mais humano.
* Crítica escrita para o Caderno B do "Jornal do Brasil" (02/03/2018).
Muito bom esse filme! Não sabia que era camera na mão. Boa critica às interpretações. Concordo. Obrigada.
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