quinta-feira, 8 de março de 2018

Oscar 2018 - A Resposta Enfática de Hollywood para o Governo Trump


Em noite mexicana, o Oscar manda recado direto para todos os opressores, daqueles abusadores sexuais que se escondem nas sombras aos grandes construtores de muros sociais.

A cerimônia do Oscar, com exceção de breves rompantes de ousadia, entregou o tom familiar de festa chique da empresa, com seu senso de humor de tio do pavê representado pela recorrente e rasa brincadeira sobre o jet-ski verde que seria dado ao vencedor que conseguisse discursar seu agradecimento em menor tempo. Apesar de teoricamente valorizar a representatividade, aquele profissional menos importante que se alongar um pouco no agradecimento continua sendo catapultado do palco com a “delicadeza” usual. Nem mesmo a presença da sempre bela Helen Mirren, participando de maneira obviamente desconfortável da tolice, ajudou a transformar o material vaudeville em algo minimamente digno da pretensa grandeza da noite.

O importante não é respeitar a representatividade, apenas passar a imagem de que respeita, o público não deve ser ingênuo, os movimentos são comercializados, na intenção de evitar o boicote nas bilheterias. Tudo se resume aos lucros na fábrica de sonhos. Na categoria de Filme Estrangeiro, na dúvida, premia-se o produto menos interessante em competição, o chileno “Uma mulher fantástica”, protagonizado pela transexual Daniela Vega Hernández, que também foi generosamente utilizada no palco, já que a imprensa mundial precisa registrar como a mentalidade da Academia evoluiu.

O início emulando os clássicos cinejornais foi nostálgico, a pena é que o direcionamento de resgate do passado cultural de Hollywood acabou sendo engolido pela necessidade midiática de vender a revolução comportamental. Já na brincadeira do monólogo de abertura de Jimmy Kimmel, houve espaço para um mea culpa sobre a gafe da troca dos envelopes no ano anterior, além de uma análise boba sobre a figura da estatueta, um eunuco que deixa suas mãos à mostra. Tudo muito rasteiro, infantil, roteiro pouco trabalhado.

O primeiro grande momento de elegância e inteligência da noite foi a participação da veterana Eva Marie Saint, premiada em 1954 por “Sindicato de Ladrões”, que deu aula de vivacidade e emocionou a plateia ao falar sobre o recente falecimento de seu marido, companheiro de várias décadas. Logo depois, a jovialidade impressionante de Rita Moreno, premiada em 1962 por “Amor, sublime amor”, audaciosamente repetindo o vestido da época. Nestes momentos, o público consegue ter um vislumbre do que o Oscar já representou, antes de se tornar irrelevante perfumaria brega.

Na fala sutil de Mark Hamill, eterno Luke Skywalker, um ponto de vista jocoso que compreende a fragilidade do verniz socialmente consciente do engajamento na indústria. Ele cita “discriminação contra robôs”, os colegas no palco fingem não escutar, a plateia emudece. O jogo é marcado, todas as minorias serão celebradas, os tons de cinza serão aniquilados, a festa da hipocrisia não pode parar. Ashley Judd, Salma Hayek e Annabella Sciorra, lendo o teleprompter com austeridade, abordam diretamente o movimento Time’s Up, o discurso não comove, não serve como protesto, mas cumpre a função principal, prover fotos interessantes para os veículos de comunicação.

A vitória óbvia da animação “Viva – A vida é uma festa” desfere um gancho poderoso no queixo de Trump, Hollywood mostra que ama os mexicanos, o discurso de agradecimento brada pela importância da representatividade, sobra até um “Viva a América Latina”, faltou apenas os violinos e a fanfarra gloriosa típica do mestre John Williams, para que tudo ficasse ainda mais artificial. Digamos que a animação da Pixar cumpriu neste ano a função que a saudosa Carmen Miranda executou outrora, quando os norte-americanos precisavam de aliados na época da guerra.

É válido ressaltar talvez o momento mais tolo, que está se tornando um péssimo hábito no evento. O apresentador convoca alguns astros para caminharem até uma sala de cinema próxima, para “surpreenderem” a plateia, como forma de agradecer o público cinéfilo mundial. Tão crível quanto os reality shows que dominam nossa televisão atual, a esquete é pura perda de tempo, obviamente combinada, com reações hilárias dos supostos surpreendidos. Vexame grotesco desnecessário.

Gafe imperdoável do “In Memoriam”, esquecer nomes como Bill Paxton, Adam West e Miguel Ferrer. Sintomático do desprezo dos realizadores pela tradição, um segmento que já foi profundamente emotivo no passado, hoje, despejado rápido, tapinha nas costas inglório com pessoas que simplesmente forjaram a indústria de cinema.

Sobre os vitoriosos da noite, Frances McDormand não apenas recebeu o justo reconhecimento por seu trabalho monumental em “Três anúncios para um crime”, como também garantiu o melhor discurso da noite, coisa de gente grande, inteligentemente cutucando as feridas expostas sobre a inclusão das mulheres no sistema. Perto do feminismo de butique que muitos aplaudem, este breve momento foi um choque de maturidade.

Guillermo del Toro levou a estatueta de Direção e Filme, pelo belíssimo “A forma da água”, reconhecimento justo que novamente consagra a importância do cinema de gênero. É possível argumentar que ele estava no momento certo, na hora exata, afinal, premiar um mexicano na noite mais glamourosa de Hollywood é uma oportunidade primorosa de agredir o presidente Trump, nocaute brutal em um personagem caricato que nem mesmo os roteiristas mais criativos conseguiriam imaginar em seus trabalhos. 

* Texto escrito para o Caderno B do "Jornal do Brasil" (07/03/2018).

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