Amante por Um Dia (L'amant d'un Jour - 2017)
Consciente de que o coração é um músculo elástico, o diretor
francês aposta na simplicidade, despindo toda intelectualidade do discurso.
Na trama de “Amante por um dia” (L’Amant D’un Jour), a jovem
Jeanne (Esther Garrel, filha do diretor) retorna impulsivamente ao apartamento
do pai, Gilles (Eric Caravaca), professor de filosofia, após terminar seu longo
relacionamento com o namorado Matéo (Paul Toucang), apenas para descobrir que
sua figura paterna está tendo um caso com Ariane (Louise Chevillotte), uma
aluna de sua idade.
O choque inicial incita rivalidade pela atenção do adulto,
mas acaba sendo substituído naturalmente por um forte senso de cumplicidade
entre as meninas, algo que é trabalhado no roteiro de Jean-Claude Carrière,
Caroline Deruas-Garrel, Philippe Garrel e Arlette Langmann com todos os tons de
cinza, ressaltando o inconsciente feminino e a complexidade que envolve o difícil
processo de amadurecimento do trio. Apesar do pai representar uma geração
diferente, nem mesmo o reconhecimento profissional é capaz de suprir sua
insegurança emocional.
Jeanne representa o afeto puro infantil intocado pela
maldade, terreno fértil para rompantes de desespero, já Ariane, decidida a
testar os limites de seu poder de sedução, representa a libido, o desejo livre
que é rejeitado em uma sociedade machista e tradicionalmente monogâmica. Duas
facetas comportamentais que convivem em eterno confronto também em Gilles, que
é levado a entender o significado menos óbvio da traição, emoldurado
frequentemente por sombras na elegante fotografia em preto e branco de Renato
Berta.
Se a filha luta para compreender a razão do afastamento de
seu namorado, enxergando o amor da forma mais romanticamente idealizada, o pai,
já castigado pela experiência da vida, com cicatrizes psicológicas expostas,
sabe que a dor pode ser momentânea e fundamental. O terceiro ato exibe o
otimismo de Garrel, não aquele cristalizado nas comédias românticas de
Hollywood, mas, sim, o reconhecimento sincero de que no relacionamento humano,
mesmo quando tudo parece que deu errado, nada se perde, nada é em vão, tudo
vale a pena.
* Crítica escrita para o Caderno B do "Jornal do Brasil"
(15/03/18).
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