Bird (1988)
Não é um requisito obrigatório, mas considero importante
contextualizar o filme. Apesar de não focar na música de Charlie Parker, o
roteiro opta pelo melodrama de sua turbulenta vida pessoal, o espectador
aprecia melhor o trabalho conhecendo um pouco mais sobre Jazz, sobre a
realidade da época.
Antes da Segunda Guerra, a música teve um papel fundamental,
assim como o cinema, mas a pessoa não podia rever o filme em casa, ela era
obrigada a pagar ingresso cada vez que quisesse ver, já a música estava diariamente
tocando nas rádios, a pessoa pagava um valor único por um disco e podia escutar
quantas vezes quisesse. Foi o auge das big bands, o swing era produzido para
fazer dançar, o líder da banda era a estrela, os músicos viam aquilo como uma
opção para pagar as contas no final do mês. Eles tocavam ao vivo nas rádios e
nos bares, acompanhavam os filmes mudos nas salas escuras, não havia desafio.
Já atravessando a Grande Depressão, os filmes falados e a ascensão dos
jukeboxes limitaram bastante estes profissionais, o desemprego era causado
pelas inovações tecnológicas. Com a possibilidade de gravar as canções, as
rádios não precisavam mais dos músicos ao vivo, o sindicato então organizou uma
greve.
As duas maiores gravadoras da época, RCA Victor e Columbia,
firmaram o pé contra as imposições do sindicato e perderam quase um ano
exibindo apenas material em domínio público e músicas produzidas antes do
boicote. Neste longo período, várias gravadoras pequenas foram criadas, na esperta
tentativa de aproveitar o sono das gigantes. Fechando rápido acordo com o
sindicato, estes profissionais estavam buscando sangue novo, a demanda era
impressionante. Dizzy Gillespie e Charlie Parker, no meio deste caos,
encontraram uma forma mais livre de expressão, o bebop, nome dado devido à
vocalização do artista ao tentar explicar o tipo de som que fazia, o improviso
desafiador sobre os acordes, algo que não era pensado para fazer dançar, muito
pelo contrário, o estímulo era intelectual, o músico deixava a sombra e tomava
papel de destaque no palco. A habilidade, a criatividade do artista, elementos
que forjavam os ídolos de uma sociedade que necessitava, mais que nunca, de
inspiração e esperança.
O roteiro de Joel Oliansky é convencional, o texto não tem
muito brilho, a estrutura narrativa por vezes confunde o espectador, mas a
entrega visceral de Forest Whitaker redime todas as falhas. O ator viu no papel
a oportunidade única de mostrar sua competência, já que colecionava pequenas
participações na televisão e no cinema. Vale lembrar que, no mesmo ano, ele
podia ser visto em uma ponta inglória em “O Grande Dragão Branco”, veículo para
a elasticidade do belga Jean-Claude Van Damme. O diretor Clint Eastwood, apaixonado
por Jazz, enxergou no jovem o potencial, investiu pesado e saiu vitorioso,
Whitaker levou o prêmio de Melhor Ator no prestigiado Festival de Cannes. Bird
era um espírito perturbado, viciado em heroína e álcool desde a adolescência,
um músico abusado, já arriscava desde cedo disputar sua sonoridade em jam
sessions com colegas de peso, anos antes de aperfeiçoar sua técnica. Ele era
tido como piada, um baterista chegou a interromper sua apresentação atirando um
prato no chão, imagem que o filme resgata como leitmotiv para simbolizar a
maturidade profissional do saxofonista.
É bonita a forma como Parker tenta proteger um colega, que,
desejando ser como ele, procura se iniciar no vício. O coração frágil de um homem consciente de seu
calvário pessoal, mas que deseja carregar sozinho a cruz. A fotografia escura
de Jack N. Green enfatiza a tremenda dor nesta jornada suicida, os personagens estão sempre buscando
conforto nas sombras. O som vibrante entretém o público, que ignora a lágrima que escorre no rosto do músico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário