segunda-feira, 19 de junho de 2017

"Bird", de Clint Eastwood


Bird (1988)
Não é um requisito obrigatório, mas considero importante contextualizar o filme. Apesar de não focar na música de Charlie Parker, o roteiro opta pelo melodrama de sua turbulenta vida pessoal, o espectador aprecia melhor o trabalho conhecendo um pouco mais sobre Jazz, sobre a realidade da época.

Antes da Segunda Guerra, a música teve um papel fundamental, assim como o cinema, mas a pessoa não podia rever o filme em casa, ela era obrigada a pagar ingresso cada vez que quisesse ver, já a música estava diariamente tocando nas rádios, a pessoa pagava um valor único por um disco e podia escutar quantas vezes quisesse. Foi o auge das big bands, o swing era produzido para fazer dançar, o líder da banda era a estrela, os músicos viam aquilo como uma opção para pagar as contas no final do mês. Eles tocavam ao vivo nas rádios e nos bares, acompanhavam os filmes mudos nas salas escuras, não havia desafio. Já atravessando a Grande Depressão, os filmes falados e a ascensão dos jukeboxes limitaram bastante estes profissionais, o desemprego era causado pelas inovações tecnológicas. Com a possibilidade de gravar as canções, as rádios não precisavam mais dos músicos ao vivo, o sindicato então organizou uma greve.

As duas maiores gravadoras da época, RCA Victor e Columbia, firmaram o pé contra as imposições do sindicato e perderam quase um ano exibindo apenas material em domínio público e músicas produzidas antes do boicote. Neste longo período, várias gravadoras pequenas foram criadas, na esperta tentativa de aproveitar o sono das gigantes. Fechando rápido acordo com o sindicato, estes profissionais estavam buscando sangue novo, a demanda era impressionante. Dizzy Gillespie e Charlie Parker, no meio deste caos, encontraram uma forma mais livre de expressão, o bebop, nome dado devido à vocalização do artista ao tentar explicar o tipo de som que fazia, o improviso desafiador sobre os acordes, algo que não era pensado para fazer dançar, muito pelo contrário, o estímulo era intelectual, o músico deixava a sombra e tomava papel de destaque no palco. A habilidade, a criatividade do artista, elementos que forjavam os ídolos de uma sociedade que necessitava, mais que nunca, de inspiração e esperança.

O roteiro de Joel Oliansky é convencional, o texto não tem muito brilho, a estrutura narrativa por vezes confunde o espectador, mas a entrega visceral de Forest Whitaker redime todas as falhas. O ator viu no papel a oportunidade única de mostrar sua competência, já que colecionava pequenas participações na televisão e no cinema. Vale lembrar que, no mesmo ano, ele podia ser visto em uma ponta inglória em “O Grande Dragão Branco”, veículo para a elasticidade do belga Jean-Claude Van Damme. O diretor Clint Eastwood, apaixonado por Jazz, enxergou no jovem o potencial, investiu pesado e saiu vitorioso, Whitaker levou o prêmio de Melhor Ator no prestigiado Festival de Cannes. Bird era um espírito perturbado, viciado em heroína e álcool desde a adolescência, um músico abusado, já arriscava desde cedo disputar sua sonoridade em jam sessions com colegas de peso, anos antes de aperfeiçoar sua técnica. Ele era tido como piada, um baterista chegou a interromper sua apresentação atirando um prato no chão, imagem que o filme resgata como leitmotiv para simbolizar a maturidade profissional do saxofonista.

É bonita a forma como Parker tenta proteger um colega, que, desejando ser como ele, procura se iniciar no vício. O coração frágil de um homem consciente de seu calvário pessoal, mas que deseja carregar sozinho a cruz. A fotografia escura de Jack N. Green enfatiza a tremenda dor nesta jornada suicida, os personagens estão sempre buscando conforto nas sombras. O som vibrante entretém o público, que ignora a lágrima que escorre no rosto do músico. 

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