Animais Noturnos (Nocturnal Animals – 2016)
Se você não viu o filme, para não estragar a experiência, eu
recomendo que leia o texto após a sessão.
Susan (Amy Adams) e Edward (Jake Gyllenhaal) cresceram
juntos, eles se reencontram anos depois, enquanto davam os primeiros passos na
selva urbana. Ele, apaixonado pela escrita, luta com dificuldade para ser
reconhecido na área. Ela, motivada pela necessidade de atingir um confortável status
social, negligencia suas ambições criativas e abraça uma carreira pouco
estimulante, adotando uma postura realista como forma de justificar sua falta
de coragem, seguindo, inconscientemente, a forma de pensar da mãe, uma mulher
preconceituosa, fútil e conformista. Ela deseja uma vida de aparência, uma
rotina que possa registrar e compartilhar nas redes sociais para causar inveja
às amigas. Ao primeiro sinal de interesse romântico de um jovem bem-sucedido e
financeiramente estável, Susan descarta o escritor sonhador e desempregado,
abortando em segredo o filho que carregava em seu ventre, investindo
emocionalmente nesta nova relação com um completo estranho.
O roteiro desenvolve três narrativas paralelas, sempre pelo
ponto de vista de Susan:
1 - O tempo atual, após o recebimento do manuscrito de “Animais
Noturnos”, livro de Edward dedicado a ela.
2 - O flashback, mostrando como eles se conheceram.
3 - A trama do livro, um suspense brutal envolvendo a vingança
de um homem contra os delinquentes que seviciaram sua esposa e sua filha
adolescente.
Ao ler, Susan crê ter sido inspiração para a personagem da
esposa. O filme escala uma atriz muito parecida fisicamente com Amy Adams. Um
detalhe importante e que será destruído no terceiro ato. E, claro, ela imagina
o personagem do marido como uma versão de Edward. A família cruza o caminho de
um grupo de caipiras agressivos na estrada, a perseguição de carro os conduz à
separação, a mulher e a filha são raptadas pelo grupo, a metáfora perfeita para
como Edward se sentiu, na vida real, ao ser abandonado por Susan. O delegado
(Michael Shannon), atua como o subconsciente do escritor, o câncer corroendo
seu espírito, apenas a intenção do revide mantendo-o de pé. A violência na
história causa repulsa, ao mesmo tempo em que ela não consegue tirar os olhos
da página. É um trabalho de mestre, forjado na dor. A dedicatória
implicitamente dá crédito a ela por todo o sofrimento que causou, a obra não
existiria se ele não tivesse vivido aquele inferno. Susan percebe que Edward
não apenas conquistou seu objetivo profissional, como também está provando ter
potencial para se tornar um dos melhores escritores de sua geração. Ela então
começa a se arrepender de não ter acreditado nele.
A direção de arte enriquece o filme com simbolismo, como na
utilização de um mesmo sofá vermelho em duas sequências fundamentais: No
flashback, quando Susan impiedosamente coloca as cartas na mesa sobre a
relação, e na cena em que o protagonista do livro finalmente encontra os corpos
da esposa e da filha. Outra opção brilhante é transformar os créditos iniciais
em uma apresentação de dança com mulheres nuas, felizes, e totalmente fora dos
padrões estéticos impostos pela sociedade. Pouco depois, o roteiro evidencia
que elas fazem parte da galeria de arte que Susan está tentando vender,
fascinada por aquelas mulheres. A liberdade é o leitmotiv, exatamente o
elemento que a protagonista desconhece. Susan é a perfeita antítese, ela se
esforça muito para transmitir glamour, a maquiagem e o cabelo salientando este
aspecto, mas é raro que um sorriso sincero brote em seu rosto.
Ao ler o manuscrito, ela, motivada por interesse na nova
condição social de Edward, tenta promover o reencontro. E, como ato de vingança
supremo, ele deixa ela crer que ainda há esperança para o relacionamento. Um
jantar romântico é marcado em um restaurante refinado, ela chega antes do
horário, passa o tempo usufruindo das mais caras bebidas no cardápio,
aguardando com ansiedade a chegada dele. Ela quer pensar que mudou, mas segue
sendo a mesma pessoa fútil de outrora. Não basta reduzir a maquiagem, como ela
melancolicamente faz diante do espelho, a mudança precisa ser interna e
motivada pelas razões certas. As horas passam, ele não aparece. O olhar dela,
segundos antes do fade out, a constatação deprimente do fracasso existencial.
“Animais Noturnos” é um dos melhores filmes do ano.
Nocturnal Animals é um dos grandes filmes do ano. Belíssima análise!
ResponderExcluir