O Corvo (The Crow - 1994)
O músico Eric Draven e sua noiva Shelly são brutalmente
assassinados na noite que precede o Halloween. Um ano depois, Eric volta do
mundo dos mortos guiado por um corvo. Inicialmente sem lembranças do ocorrido,
ele volta ao seu antigo loft onde recobra as memórias e a dor da morte, e então
inicia uma caçada para vingar-se de seus assassinos.
Quando vejo o panorama atual frustrante das adaptações de
quadrinhos no cinema, produções que objetivam a formação de um universo grandioso
e se esquecem de contar uma boa história, os pés e mãos atados evitando
qualquer ousadia que possa pesar negativamente nas bilheterias, começo a
acreditar que o filão pomposo quantitativo de hoje não resiste a uma revisão
mais atenta, enquanto os esporádicos projetos temáticos da minha adolescência
seguem relevantes e eficientes. Eu só fui ler a graphic novel de James O’Barr
alguns anos atrás, gostei bastante do texto, mas a arte não me encantou. Creio
que pode ter sido consequência do impacto visual que o filme me causou na década
de noventa, mérito da fotografia de Dariusz Wolski e de seu colaborador Robert
Zuckerman que operaram um milagre com baixíssimo orçamento, o tom sombrio alcançado
fazia as obras de Tim Burton parecerem radiantes, o ritmo se impunha já nos
primeiros minutos com extrema segurança. A chuva constante que representa o
lamento da cidade, a violência bruta filmada sem glamour, a atmosfera gótica
acentuada pela ótima trilha sonora de Graeme Revell, elementos preciosos na
experiência.
É claro que a atenção da mídia estava voltada para o trágico
acidente que tirou a vida de Brandon Lee, o revólver que deveria estar com
balas de festim, o ator Michael Massee, falecido recentemente, que
equivocadamente apontou o cano na direção do protagonista, um conjunto de
deslizes graves provocado pela estafa de uma equipe que trabalhava apenas nas
madrugadas. O mais triste é constatar o talento que não teve chance de
desabrochar. Brandon havia atuado em alguns genéricos de ação medianos, os
produtores sempre tentando transformar o jovem em uma variação similar dos
tipos vividos por seu pai, Bruce Lee, algo que ele lutava muito para que não
acontecesse. Rochelle Davis, que interpretou a pequena Sarah, afirmou em uma
entrevista posterior que o ator ficou tremendamente feliz ao saber que a menina
não dava importância alguma para o parentesco do colega. Ele queria ser
respeitado profissionalmente e sabia que “O Corvo” simbolizava sua entrada pela
porta da frente em Hollywood. A dedicação dele é perceptível, o peso da culpa
que o personagem sente é transmitido na forma de andar e nas inclinações de rosto.
O diretor Alex Proyas tem apreço por temas esotéricos, melancólicos,
enigmáticos, fantasticamente surreais, apaixonado pelas obras de Tarkovski e
Ridley Scott. Eu gosto muito de “Cidade das Sombras” e “Presságio”, o primeiro
ganhou status cult, mas o segundo foi apedrejado pela crítica na época de seu
lançamento, talvez eu tenha sido um dos poucos que elogiou a sua estética. “O Corvo”,
com sua montagem frenética alternando presente e passado, estava muito à frente
de seu tempo. O que me emociona sempre é o desenvolvimento da relação entre Eric e a menina, vítima da parentalidade irresponsável. Sarah se sente sozinha em um mundo dominado por adultos insensíveis. Ao perder seus únicos amigos, ela encara a realidade de crescer e se tornar uma cópia da mãe drogada e promíscua. O espírito vingador a abraça e a faz entender que a morte não significa o fim do sentimento. Aquele que vive nas sombras, devastado internamente, conforta a menina. A cura pela dor. É uma linda mensagem.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline".
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