Até o Último Homem (Hacksaw Ridge - 2016)
Mel Gibson é um tremendo diretor, porém, limitado. Não há
problema nisso, muitos dos melhores e mais respeitados cineastas também o são.
O caso é que ele se equivoca terrivelmente sempre que arrisca sair de sua zona
de conforto, como na irritante primeira hora de “Até o Último Homem”.
O australiano
de temperamento forte é um poeta da violência, uma espécie de Sam Peckinpah
fundamentalista católico, altamente competente ao compor visualmente
personagens mitificados, o que obviamente funcionou em “A Paixão de Cristo”,
mas desajeitado ao retratar personagens essencialmente humanos, falíveis. Os
dois primeiros atos do filme poderiam facilmente ser resumidos em um letreiro
introdutório, já que são executados da forma mais preguiçosa possível, os
relacionamentos humanos, pai e filho, namorado e namorada, não soam minimamente
críveis, o texto de Robert Schenkkan e Andrew Knight é frágil, todos os clichês
são utilizados, o rodopio do casal feliz, o aproximar lento da câmera no rosto
daquele que se vê oprimido em um julgamento, diálogos expositivos repetitivos,
em suma, material de produção de baixo orçamento direcionada para o mercado gospel
de vídeo.
A insegurança na direção nesse início caricatural é
intensificada pelo contraste com a entrega visceral de Andrew Garfield, um coração
que pulsa em um corpo robótico. Quem resistir ao ritmo modorrento dessa
primeira hora no piloto automático irá se surpreender com o que Gibson oferece
ao tomar o controle nos campos de batalha em Okinawa. Ajudado pela história
real incrível do soldado adventista Desmond Doss, que se alistou no exército na
Segunda Guerra e se recusou a sequer segurar uma arma, sofrendo com o deboche
dos companheiros e o descrédito de seus superiores, o filme exibe sequências brutalmente
realistas, o tom agressivo de sadismo purificador que é a marca registrada do
diretor. A trilha sonora de Rupert Gregson-Williams, como era de se esperar, reverencia
sem sutileza alguma o aspecto religioso da trama, potencializando a distância
respeitosa que equivocadamente se estabelece entre o homenageado e o público
que, como é usual, busca identificação. O nível de endeusamento pelo martírio
encontra sua resolução mais coerente no terceiro ato, Doss, após completar sua
missão, sendo metaforicamente alçado aos céus, uma cena absurdamente brega em
todos os sentidos. Gibson se redime ao optar por utilizar registros reais no
desfecho, depoimentos verdadeiramente emocionantes e que ajudam a tirar o gosto
amargo de novela mexicana.
O que mais me agradou na experiência foram os pequenos
momentos de interação entre o protagonista e seus companheiros feridos no campo
de batalha. Doss fazia o mais difícil, conversava com aqueles homens interna e
externamente despedaçados, negando o próprio medo e tentando acalmar aqueles
que já sentiam a aproximação da morte, injetando morfina e, principalmente,
esperança, a essência do pensamento religioso. Esse conceito é mais forte e simbolicamente poderoso que
todas as cenas de violência.
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