sábado, 25 de fevereiro de 2017

"Manchester à Beira Mar", de Kenneth Lonergan


Manchester à Beira Mar (Manchester by The Sea – 2016)
As escolhas estéticas do diretor Kenneth Lonergan acabam boicotando a forte carga emocional da trama, como se ele não confiasse que a história, por si só, conseguiria impactar o espectador. O ritmo é truncado, prejudicado especialmente no primeiro ato por uma montagem que confunde em seu desejo de evitar a narrativa linear, alternando períodos de tempo em poucos segundos, atrapalhando a importante conexão com o protagonista.

A sinopse é linda, essencialmente lidando com conflitos intimistas de uma alma torturada, mas a paciência tem limite, quando todas as situações, simples e complexas, são intensificadas sensorialmente pela trilha sonora, tudo se banaliza, em suma, irrita ao invés de gerar empatia. O trabalho da compositora Lesley Barber é agradável de se escutar fora do contexto, porém, altamente intrusivo na obra, por exemplo, na cena em que Lee (Casey Affleck) dá um depoimento na delegacia. É tão artificial que beira a sátira, assim como na sequência da tragédia que modifica sua vida, a música implora pelas lágrimas sem necessidade alguma, o momento já é forte o bastante. É triste perceber o potencial desperdiçado, a longa duração falha em estabelecer o básico com competência, um problema que é amenizado no terceiro ato. O melhor aspecto do filme é a atuação de Affleck. E só funciona tão bem exatamente porque encontra no impecável Lucas Hedges, que vive Patrick, o sobrinho adolescente que se torna sua responsabilidade após o falecimento do irmão, o extremo oposto de sua caracterização. Um adulto que comete suicídio psicológico e vaga sem destino, um adolescente que está disposto a não permitir que seu espírito seja abalado pela morte do pai.

Esses dois elementos ricos em autenticidade naufragam no oceano de pretensiosismo executado da forma mais criativamente preguiçosa. A sequência do reencontro agridoce entre Lee e sua ex-esposa (Michelle Williams, incompreensivelmente subutilizada) em uma cerimônia religiosa não poderia ser mais afetada, o maravilhoso “Adágio”, de Albinoni, merece ser aposentado cinematograficamente. O clichê se completa perfeitamente com a utilização brega e interminável do recurso da câmera lenta. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

"Moonlight - Sob a Luz do Luar", de Barry Jenkins


Moonlight - Sob a Luz do Luar (Moonlight - 2016)
Acordar sabendo que a sociedade o rejeita de diversas formas, excluído por ser pobre e negro, agredido na escola por ser introvertido, internamente incapaz de compreender sua homossexualidade, obrigado a medir cada gesto, silenciar impulsos, sem poder contar com a estabilidade emocional de uma mãe (Naomie Harris) entregue ao vício em crack, esse é o cotidiano do pequeno Chiron. A sua única figura paterna, um traficante de drogas que o encontra arredio, fugindo do ataque de seus colegas, alguém que enxerga nos olhos da criança a pureza que outrora guiava suas ações, antes do mundo o bestializar. O homem, vivido impecavelmente por Mahershala Ali, tem consciência de que faz parte da engrenagem que está destruindo o garoto, a culpa o humaniza, evitando inteligentemente o estereótipo.

Ambientado na década de oitenta, o primeiro ato do filme, roteirizado e dirigido por Barry Jenkins, adaptado de uma peça inédita de Tarell Alvin McCraney, explora a trepidante formação psicológica do protagonista, a resistência da gentileza natural perante a brutalidade excessiva do sistema em que ele está inserido. “Little” (pequeno), apelido genérico, evidência de sua irrelevância enquanto indivíduo, reflexo do desinteresse do outro em memorizar seu nome. Ao humilhar o filho no auge da dependência química, a câmera subjetiva no ponto de vista do menino nega o som da ofensa, apenas a reação dele importa, a mente não quer aceitar a realidade deprimente, a palavra utilizada só tem poder quando o receptor acusa sua existência. Nesse estágio inicial o leitmotiv é a recusa como estratégia de defesa.

No segundo ato, intitulado “Chiron”, encontramos o protagonista atravessando o difícil período da adolescência, o momento em que todos tentamos firmar o caráter e vencer nossos medos, por conseguinte, ele não é definido mais por um apelido, o rapaz tenta encontrar uma forma de enfrentar os obstáculos sem abandonar totalmente sua essência. Os abusos na escola, local que deveria simbolizar proteção, acabaram se tornando mais intensos, a degradação física e mental da mãe alcança um nível insuportável, o universo conspirava para que ele fosse abatido irreversivelmente, porém, na areia da praia e sob a luz do luar, acompanhado de um amigo, ele reúne coragem para agir, a repressão de anos é finalmente subjugada. Como o interesse da obra não é provocar catarse emocional, o que a reduziria ao molde batido dos romances LGBT, Jenkins filma essa vitória pessoal às costas dos rapazes, ele não intenciona simploriamente rotular sentimentos nem estirar bandeiras. Chiron, encarando pela primeira vez os olhos de sua imagem no espelho, sofre uma terrível traição, uma atitude que quebra seu espírito.

Quando o encontramos novamente no terceiro ato, vários anos depois, ele abraçou a couraça da mentira, esculpiu seu corpo e bloqueou sua mente, um novo homem que sobrevive no submundo do crime, “Black”, um personagem fictício nomeado a partir de um apelido dado na infância pelo seu antigo amigo. A sociedade bateu tão forte que acabou vencendo, ele já nem acusa a dor dos golpes, o silêncio alcança sua expressividade mais amargurada. A elegância com que o filme encaminha a história para seu desfecho é impressionante, sempre coerente no tom, salientando poeticamente o foco narrativo na difícil reconstrução psicológica do protagonista, vivido brilhantemente por Alex R. Hibbert (Little), Ashton Sanders (Chiron) e Trevante Rhodes (Black).

“Moonlight: Sob a Luz do Luar” encanta sem apelar para qualquer clichê, mérito raro, creio que será o único filme dentre os indicados ao Oscar desse ano que continuará relevante artisticamente no futuro. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

"Capitão Fantástico", de Matt Ross


Capitão Fantástico (Captain Fantastic - 2016)
Eu vi o filme no Festival do Rio e considerei um dos três destaques do evento, o único que sobreviveu em minha mente após semanas, o que é sempre um ótimo sinal. Viggo Mortensen é um dos melhores atores de sua geração, “Capitão Fantástico” é mais uma pérola em sua filmografia, prejudicada apenas pela mão pesada do roteirista/diretor Matt Ross, um problema que poderia ser amenizado com uma edição mais severa, o que reforçaria o impacto de algumas reflexões propostas. Viggo interpreta Ben, um pai que decidiu se isolar com seus seis filhos, uma vida idílica na floresta, ensinando a prática da caça e incentivando o hábito da leitura ativa, sempre questionadora, uma existência longe do consumismo e de dogmas religiosos e, por conseguinte, longe da cultura do medo e da culpa, campo fértil para que ele tente transmitir os valores que considera mais importantes, na tentativa de formar seres humanos melhores e mais conscientes de suas responsabilidades.

O processo já se iniciou na escolha dos nomes das crianças, Bodevan, Rellian, Kielyr, Vespyr, Zaja e Nai, verdadeiramente únicos no mundo. Após um evento traumático, a família é forçada a deixar essa zona de conforto e enfrentar a realidade urbana, gatilho que desperta questões existenciais relevantes, especialmente na figura paterna, ainda que falte sutileza na abordagem dessas transformações pessoais. O protecionismo que conduziu um dos filhos à dedicação extrema nos estudos também o tornou socialmente inseguro, o espectador é levado até mesmo a se revoltar com algumas atitudes do pai, mas a interpretação primorosa de Mortensen enriquece as várias camadas de sua construção, salientando que a força motriz de suas ações é genuína e amorosa. Uma cena plena em simbolismo, a família pratica alpinismo, um dos filhos machuca a mão e se desespera, o pai então diz sem levantar o tom de voz: “Mantenha a calma, ninguém vai aparecer para salvar você magicamente ao final”. A rejeição da milagrosa intervenção sobrenatural, o que o pai considera uma indústria do engano.

Os filhos não são poupados de verdades duras, algo que choca o casal de parentes na mesa de jantar. Os filhos do casal, garotos mais velhos, imersos na engrenagem convencional da sociedade, não podem falar palavrão, comparecem à sala de aula e tiram as notas necessárias, porém, ao serem desafiados, acabam se mostrando menos preparados intelectualmente que a menina mais nova de Ben. O aprendizado autodidata os tornou fluentes em seis línguas, inclusive esperanto, os treinos de sobrevivência tornaram seus corpos resistentes. Ao optar por deixar o sistema, a família se tornou uma ameaça, um reflexo distorcido no espelho dos robotizados escravos. Um momento particularmente bonito ocorre quando uma das filhas, já inserida na sociedade, descobre que as ovelhas da cidade desconhecem o perigo, elas não se movem quando prepara seu arco e flecha. Ela desiste da caça por compaixão. Assim como as ovelhas, o povo da cidade, gordo e preguiçoso intelectualmente, está despreparado para situações que exigem reações impulsivas, eles se tornam seres dignos de pena.

O elemento que move a ação é a ausência da mãe, que cometeu suicídio após enfrentar surtos de depressão. Como budista, ela deixou escrito que desejava ser cremada, as cinzas jogadas num vaso sanitário. A família dela desrespeita grosseiramente seu pedido e opta por uma cerimônia católica. Ben e os filhos partem então numa missão para honrar a sua memória. O roteiro aproveita o contexto para inserir uma reflexão profunda disfarçada de alívio cômico. Qual a razão de manter um ritual vazio, reduzindo a despedida de seu ente querido à uma mecânica repetição de textos religiosos sem qualquer relação com a experiência de vida da falecida, que é invariavelmente tratada, ainda que com delicadeza, como mais um número na estatística por um padre que sequer a conheceu? Não seria melhor caminharmos seguros na estrada da lucidez, aceitando sem bengalas a brevidade da vida e aproveitando melhor cada precioso segundo? O desfecho musical, que obviamente não irei revelar, promove uma catarse emocional necessária e altamente compensadora. 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Cine Bueller - "Namorados por Acaso", de Mel Damski

Link para os textos anteriores do especial que resgata as lembranças dos vespertinos "Sessão da Tarde" e "Cinema em Casa":


Namorados por Acaso (Happy Together - 1989)
As comédias românticas adolescentes dos anos oitenta marcaram a adolescência da minha geração devido às exibições frequentes na “Sessão da Tarde”. O “Cinema em Casa”, do SBT, satisfazia mais os impulsos sexuais da garotada, somos eternamente gratos aos programadores. “Namorados por Acaso”, eu consigo me lembrar exatamente da tarde em que vi pela primeira vez, com a dublagem maravilhosa da Herbert Richers, com Vera Miranda e Selton Mello garantindo o charme especial da nossa versão brasileira.

Patrick Dempsey era o ídolo dos garotos introvertidos, no que me incluo, já que defendia quase sempre personagens tímidos e que sofriam a rejeição das gatinhas da escola. E Helen Slater, como esquecer aquele rosto? A encantadora “Supergirl” vive Alex, uma espevitada estudante de artes cênicas, com direito a breve nudez parcial, não poderia ser melhor. O difícil era acreditar que Chris, o jovem escritor, por mais compenetrado que estivesse em sua arte, cogitaria sequer por um momento a hipótese de reclamar do gênero de sua colega de quarto. Forçada de barra compreensível, caso contrário não haveria trama para meia-hora de filme. Ele é uma caricatura divertida, dorme abraçado ao tomo “A Arte da Escrita”, mas só consegue criar algo interessante após encontrar sua musa inspiradora. Claro que os dois vencem seus medos e ele se arrepende de ter sugerido uma substituição. É hilário quando ele finge ser o gay mais afetado do mundo, com ajuda dela, para afastar o rapaz que foi enviado. Selton domina a cena com um caco espirituoso, ao pedir para que o visitante suba o zíper de seu vestido: “Faz essa caridade, tá, criança”. Aliás, a dublagem clássica entrega vários momentos deliciosamente debochados, como um vozerio na cena do banheiro masculino que insere a ária “La Donna è Mobile” na cantoria solitária de um estudante.

O roteiro procura tocar em temas típicos dos projetos mais refinados de John Hughes, ainda que nunca alcance o mesmo nível de credibilidade. O personagem Stanley é um símbolo dessa tentativa, ele vive sozinho, acompanhado por uma boneca sexual, elemento que o torna exótico e afasta qualquer relacionamento. A estratégia acaba sendo revelada no terceiro ato, a forma que ele, alguém decidido a aproveitar ao máximo os estudos, encontrou para não se deixar levar pelo pouco compromisso de seus pares. Chris é o único que não o repele, logo, eles se tornam amigos e confidentes. Outra sequência que consegue emular Hughes ocorre no quarto, quando Chris e Alex, separados por uma cama beliche, encontram paz no simples toque das mãos, a linda cumplicidade entre pessoas perdidas num mundo de muitas possibilidades e cobranças sociais. O mantra que simboliza o filme, repetido pelos dois em diversos momentos, “eu posso ser amado por você, você pode ser amada por mim”, a conclusão sincera que os redime. Como ela ressalta ao final, o melhor erro cometido pode ser libertário, abrir novos caminhos, não é necessariamente algo a ser temido. O amor pode estar ao seu lado, na figura de uma melhor amiga, aguardando apenas uma chance. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Rebobinando o VHS - "Inocência Ultrajada" (1974)

Link para os textos anteriores do especial que resgata a nostalgia dos tempos do VHS:
http://www.devotudoaocinema.com.br/p/rebobinando-o-vhs.html


Essa pérola produzida para a televisão norte-americana sequer foi lançada em VHS oficialmente por aqui, apenas em fitas piratas, sem legendas. Ela chegou a ser exibida com cortes nas madrugadas televisivas brasileiras, mas não me recordo de ter visto alguma exibição. O meu primeiro contato com a obra foi através da novelização literária, encontrada em um de meus garimpos nos sebos, com o título original: “Nascida Inocente”, escrita por Berhardt J. Hurwood, baseada no roteiro de Gerald Di Pego. 


Inocência Ultrajada (Born Innocent - 1974)
Feito na esteira do sucesso mundial de “O Exorcista”, um veículo ousado para a pequena Linda Blair firmar seu nome na indústria, “Inocência Ultrajada” aborda um tema espinhoso, os abusos sofridos pela garota em um reformatório. Ela tinha apenas quatorze anos quando filmou a sequência forte de estupro no banheiro, algo que jamais seria cogitado nos dias de hoje. Sem nudez, todo o sofrimento transmitido em seu rosto, uma declaração de coragem rara, especialmente quando a postura mais confortável seria ela abraçar a fama e optar por papéis bonitinhos em filmes inofensivos. Em “A Garota Viciada”, no ano seguinte, ela interpretou uma menina viciada em álcool. É uma pena pensar que a sua carreira foi destruída no final da década de setenta, ao aparecer nas manchetes em um escândalo com drogas. Ela, que tinha talento para ser uma das maiores atrizes de sua época, foi esquecida por Hollywood e se manteve trabalhando em projetos fracos, sem relevância.

Analise a cena do primeiro banho de sua personagem, logo após a chegada na instituição, o choro convulsivo, a angústia contida que explode ao encarar a frieza do local. Christine (Blair) é fruto da parentalidade irresponsável, os pais, vividos por Kim Hunter e Richard Jaeckel, alternam a agressão física com a pressão psicológica, vivem brigando na frente dela, um cenário caótico que a impele a fugir. A crítica é direcionada ao sistema que, em teoria, serve para ressocializar os jovens, mas, na prática, apenas termina de destruir o indivíduo. Ela chegou inocente, compreensivelmente perturbada, com o olhar de criança, um detalhe que a atriz evidencia brilhantemente na sua gradual transformação, porém, sob o manto das figuras de autoridade no local, ela foi seviciada de todas as formas. O único elemento humano que a mantém sã é o irmão mais velho, vivido por Mitch Vogel. Quando ele a atrai na intenção de facilitar a aproximação do policial que vai conduzir a jovem de volta para o reformatório, as correntes emocionais se rompem, a sociedade consegue finalmente criar um monstro irrecuperável.

O filme conquistou a maior audiência televisiva no ano. E, como pude constatar na revisão, ele se mantém eficiente, com uma linda trilha sonora composta por Fred Karlin, injustamente pouco lembrado, responsável por uma das melhores baladas cantadas por Karen Carpenter: “For All We Know”, escrita para o filme “As Mil Faces do Amor”, de 1970. 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

"John Wick - Um Novo Dia Para Morrer", de Chad Stahelski


John Wick - Um Novo Dia Para Morrer (John Wick: Chapter 2 - 2017)
É um toque de gênio iniciar com uma exibição acrobática de Buster Keaton sendo projetada no prédio. O cinema independente “cabeça”, as obras umbilicais dramáticas, o equivocado conceito de “filme de arte” defendido por cinéfilos pseudointelectuais e críticos tolos, essas produções só existem graças ao lucro obtido com as fitas de gênero. O cinema se formou com as estripulias perigosas pioneiras de Keaton, o balé cômico de Chaplin, Harold Lloyd se pendurando no ponteiro do relógio, Stan Laurel e Oliver Hardy se equilibrando no alto de um edifício em construção e Douglas Fairbanks saltando como uma raposa em “A Marca do Zorro”. O cinema não existiria hoje sem a contribuição dos filmes de ação. A homenagem proposta é, acima de tudo, um ousado resgate para um público-alvo formado em sua maioria por adolescentes, o que, por si só, já mereceria aplausos. “John Wick – Um Novo Dia Para Matar”, dirigido pelo mesmo Chad Stahelski do original “De Volta ao Jogo”, promove outra bela homenagem no terceiro ato, um tiroteio em uma sala de espelhos, o que remete diretamente ao clássico de Bruce Lee: “Operação Dragão”.

A sequência pré-créditos repete algumas ideias coreográficas do primeiro, intensificando o tom e oferecendo variações embasbacantes, mantendo os enquadramentos na simplicidade, sem trepidações de câmera, fazendo do combate corpo a corpo uma espécie de dança, maneira impecável de estabelecer para o público novo o personagem título, vivido por Keanu Reeves, como a figura imponente que intimida até os marginais mais insanos. O resultado é inferior ao “De Volta ao Jogo”, apesar de contar com um orçamento maior e superar tecnicamente o anterior em todos os aspectos. O problema principal está no roteiro. A longa duração acerta ao explorar com mais detalhes os meandros da organização de assassinos, mas sabota terrivelmente o ritmo ao inserir uma subtrama dispensável defendida por Laurence Fishburne, decisão que parece ter sido pensada apenas como forma de reunir a dupla de “Matrix”. O segundo ato se arrasta, minimizando o impacto dos rompantes de ação. A motivação criada para fazer o personagem atrasar sua aposentadoria é desgastada, o vilão, vivido sem brilho pelo italiano Riccardo Scamarcio, obriga Wick a cumprir uma missão genérica, sem qualquer relação emocional com ele, como forma de honrar sua promessa de sangue. É difícil enxergar relevância na tarefa, o que prejudica a imersão do espectador. Ruby Rose vive uma assassina muda, recurso utilizado pelo roteiro sem muita criatividade, parece ter sido inserido apenas para dar um toque exótico.

Outro problema é que o roteiro falha em trabalhar as consequências físicas e psicológicas dos danos sofridos nos conflitos, o filme se torna um videogame de tiro em primeira pessoa, Wick é quase invulnerável. No primeiro, apesar dele passar pelas situações mais absurdas, o roteiro se preocupava em evidenciar o desgaste que ele sentia a cada oponente vencido. O submundo da organização é expandido consideravelmente, com o roteiro de Derek Kolstad aceitando o risco de forçar a barra na suspensão da descrença, especialmente na sequência que finaliza a trama, uma opção que abre as portas para a possibilidade de uma franquia, porém, consequência natural, banaliza o impacto do primeiro filme e reduz o protagonista a um genérico tipo etiquetado para o consumo rápido nas bilheterias. Não me surpreenderei se, em alguns anos, estiver vendo John Wick sendo enviado para uma missão espacial, perseguido por caçadores de recompensa marcianos. Torço sinceramente para que o plano do diretor envolva apenas uma trilogia fechada, algo que respeite os fãs e seja coerente ao tom do original.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

"De Volta ao Jogo" de Chad Stahelski e David Leitch


De Volta ao Jogo (John Wick - 2014)
É comum afirmar que os gêneros fantásticos, ficção científica e terror, são desprezados por aqueles tontos pseudointelectuais que só conseguem enxergar beleza nos dramas umbilicais e obscuros. Mas eu creio que os filmes de ação sofrem ainda mais, ignorados por essa parcela do público e subestimados pela crítica especializada. Se a obra não traz nada de novo, ela é apedrejada. Se inova, ela é apedrejada. “De Volta ao Jogo”, com seu orçamento mediano, conseguiu entregar algumas das sequências mais espetaculares, mérito dos diretores Chad Stahelski e David Leitch, estreantes na função, porém, com tremenda experiência na indústria como coordenadores de dublês. Chad trabalha como dublê de Keanu Reeves desde “Caçadores de Emoção”, companheirismo que resultou na compreensão exata de como utilizar da maneira mais visualmente impactante os recursos do ator, que nunca foi conhecido por sua versatilidade.

Ele vive John Wick, o assassino profissional tido como o melhor por seus colegas, que abandona o serviço motivado pelo amor que sente por sua esposa. Uma doença interrompe a relação, ele está presente no hospital quando a frágil mulher expira, nada pode reverter aquela situação, o profissional temido por todos se sente pela primeira vez impotente. Ela, consciente que seu amado não saberia lidar com aquela dor, havia organizado a entrega póstuma de um presente incomum, uma cadelinha filhote. Se o Ford Mustang na garagem, precioso emocionalmente para ele, representava os perigos da sua área de atividade, o animal era a garantia de que a humanidade dele estaria em constante vigilância, o último desejo de Helen, a aposentadoria definitiva. Um grupo liderado pelo filho de um mafioso invade sua casa à noite, rouba o carro e mata a cadelinha, tomando violentamente de Wick todos os elementos que o mantinham na coleira social, o reforço do leitmotiv animalesco subjugando um coletivo criminoso organizado que se julga civilizado.

A trama de vingança é saborosamente simples, as várias cenas de ação surpreendem pela crua objetividade estética, não há intenção de disfarçar com montagem frenética e movimentos de câmera epiléticos a pouca competência técnica, todos os envolvidos são especialistas talentosos, experimentando diversas possibilidades, do tiroteio comum em pequena e larga escala, passando por perseguições de carros e combate corpo a corpo. As coreografias são pensadas com o intuito do choque visual, afinal, trata-se do atrito entre mercenários selvagens que operam além da margem de seus próprios superiores. Os movimentos precisam ser rápidos, certeiros e brutais. O roteiro de Derek Kolstad estabelece inteligentemente a complexidade do universo em que o protagonista está inserido, sem especificar com diálogos expositivos a origem dos relacionamentos, estimulando no espectador a sensação de que está bisbilhotando perigosamente uma realidade que sequer imaginava que existia. A presença de nomes renomados como Willem Dafoe, Ian McShane e Michael Nyqvist, ajuda a reforçar os alicerces dessa construção.

“De Volta ao Jogo” é um dos melhores filmes de ação da década.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

"Em Nome da Razão", de Helvécio Ratton


Em Nome da Razão (1979)
Helvécio Ratton sobrevivia em Belo Horizonte na década de setenta fazendo filmes de publicidade, o período para o cinema brasileiro não poderia ser menos estimulante, ele buscava encontrar um tema importante para abraçar, algo que valesse o esforço absurdo de se produzir algo que não envolvesse pornografia. O psiquiatra italiano Franco Basaglia veio ao Brasil e despertou a discussão sobre a necessária reforma no sistema de saúde mental. Como o jovem já estudava psicologia, ele embarcou no tema e ousou realizar o documentário de curta-metragem “Em Nome da Razão”, filmado em apenas uma semana e de forma independente, denunciando as condições desumanas no Manicômio Colônia, de Barbacena.

O registro é forte, as imagens em preto e branco captadas por Dileny Campos, auxiliado pela montagem propositalmente caótica de José Tavares Barros, retratam a ausência de qualquer senso de dignidade, o que se escuta são os lamentos angustiados dos pacientes, sem qualquer efeito de som, o canto desesperado do homem que repete enfaticamente o refrão da canção popular: “Jesus Cristo, eu estou aqui”, como se buscasse ser notado na multidão, a ironia do grupo de olhos distantes que entoa o Hino da Independência, uma crítica mordaz e espontânea, os exilados de uma sociedade que se considerava sã em plena ditadura militar, os loucos condenados à clausura degradante, um coletivo de diferentes patologias, alguns pacientes até inseridos equivocadamente por seus familiares, opositores políticos, prostitutas, alcoólatras, crianças indesejadas, homossexuais, todos aqueles que não se encaixavam na imagem que os dignitários da época queriam vender para o exterior, em suma, como bem disse o respeitado psiquiatra italiano ao conhecer o local, “um campo de concentração nazista”.

O filme foi aplaudido em festivais e teve papel fundamental no fortalecimento do Movimento Antimanicomial. O público brasileiro, ignorando totalmente a situação, ficou chocado com a obra. É uma página da História que não pode ser esquecida. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

"Até o Último Homem", de Mel Gibson


Até o Último Homem (Hacksaw Ridge - 2016)
Mel Gibson é um tremendo diretor, porém, limitado. Não há problema nisso, muitos dos melhores e mais respeitados cineastas também o são. O caso é que ele se equivoca terrivelmente sempre que arrisca sair de sua zona de conforto, como na irritante primeira hora de “Até o Último Homem”. 

O australiano de temperamento forte é um poeta da violência, uma espécie de Sam Peckinpah fundamentalista católico, altamente competente ao compor visualmente personagens mitificados, o que obviamente funcionou em “A Paixão de Cristo”, mas desajeitado ao retratar personagens essencialmente humanos, falíveis. Os dois primeiros atos do filme poderiam facilmente ser resumidos em um letreiro introdutório, já que são executados da forma mais preguiçosa possível, os relacionamentos humanos, pai e filho, namorado e namorada, não soam minimamente críveis, o texto de Robert Schenkkan e Andrew Knight é frágil, todos os clichês são utilizados, o rodopio do casal feliz, o aproximar lento da câmera no rosto daquele que se vê oprimido em um julgamento, diálogos expositivos repetitivos, em suma, material de produção de baixo orçamento direcionada para o mercado gospel de vídeo.

A insegurança na direção nesse início caricatural é intensificada pelo contraste com a entrega visceral de Andrew Garfield, um coração que pulsa em um corpo robótico. Quem resistir ao ritmo modorrento dessa primeira hora no piloto automático irá se surpreender com o que Gibson oferece ao tomar o controle nos campos de batalha em Okinawa. Ajudado pela história real incrível do soldado adventista Desmond Doss, que se alistou no exército na Segunda Guerra e se recusou a sequer segurar uma arma, sofrendo com o deboche dos companheiros e o descrédito de seus superiores, o filme exibe sequências brutalmente realistas, o tom agressivo de sadismo purificador que é a marca registrada do diretor. A trilha sonora de Rupert Gregson-Williams, como era de se esperar, reverencia sem sutileza alguma o aspecto religioso da trama, potencializando a distância respeitosa que equivocadamente se estabelece entre o homenageado e o público que, como é usual, busca identificação. O nível de endeusamento pelo martírio encontra sua resolução mais coerente no terceiro ato, Doss, após completar sua missão, sendo metaforicamente alçado aos céus, uma cena absurdamente brega em todos os sentidos. Gibson se redime ao optar por utilizar registros reais no desfecho, depoimentos verdadeiramente emocionantes e que ajudam a tirar o gosto amargo de novela mexicana.

O que mais me agradou na experiência foram os pequenos momentos de interação entre o protagonista e seus companheiros feridos no campo de batalha. Doss fazia o mais difícil, conversava com aqueles homens interna e externamente despedaçados, negando o próprio medo e tentando acalmar aqueles que já sentiam a aproximação da morte, injetando morfina e, principalmente, esperança, a essência do pensamento religioso. Esse conceito é mais forte e simbolicamente poderoso que todas as cenas de violência. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

"Teresa", meu segundo curta, está disponível na plataforma "Looke"


Link para o filme no Looke:
https://www.looke.com.br/filmes/teresa

Sinopse: Antes de passar as chaves para outra pessoa, um homem passeia pelo apartamento, revivendo momentos do seu passado. Mas nem todas as memórias são felizes como as brincadeiras da sua infância.

Elenco: Mário PC, Octavio Caruso e Teresa Cristina Oliveira.

Trilha Sonora: Mário PC.

Argumento, Roteiro e Direção: Octavio Caruso e Sihan Felix.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

"O Corvo", de Alex Proyas


O Corvo (The Crow - 1994)
O músico Eric Draven e sua noiva Shelly são brutalmente assassinados na noite que precede o Halloween. Um ano depois, Eric volta do mundo dos mortos guiado por um corvo. Inicialmente sem lembranças do ocorrido, ele volta ao seu antigo loft onde recobra as memórias e a dor da morte, e então inicia uma caçada para vingar-se de seus assassinos.

Quando vejo o panorama atual frustrante das adaptações de quadrinhos no cinema, produções que objetivam a formação de um universo grandioso e se esquecem de contar uma boa história, os pés e mãos atados evitando qualquer ousadia que possa pesar negativamente nas bilheterias, começo a acreditar que o filão pomposo quantitativo de hoje não resiste a uma revisão mais atenta, enquanto os esporádicos projetos temáticos da minha adolescência seguem relevantes e eficientes. Eu só fui ler a graphic novel de James O’Barr alguns anos atrás, gostei bastante do texto, mas a arte não me encantou. Creio que pode ter sido consequência do impacto visual que o filme me causou na década de noventa, mérito da fotografia de Dariusz Wolski e de seu colaborador Robert Zuckerman que operaram um milagre com baixíssimo orçamento, o tom sombrio alcançado fazia as obras de Tim Burton parecerem radiantes, o ritmo se impunha já nos primeiros minutos com extrema segurança. A chuva constante que representa o lamento da cidade, a violência bruta filmada sem glamour, a atmosfera gótica acentuada pela ótima trilha sonora de Graeme Revell, elementos preciosos na experiência.

É claro que a atenção da mídia estava voltada para o trágico acidente que tirou a vida de Brandon Lee, o revólver que deveria estar com balas de festim, o ator Michael Massee, falecido recentemente, que equivocadamente apontou o cano na direção do protagonista, um conjunto de deslizes graves provocado pela estafa de uma equipe que trabalhava apenas nas madrugadas. O mais triste é constatar o talento que não teve chance de desabrochar. Brandon havia atuado em alguns genéricos de ação medianos, os produtores sempre tentando transformar o jovem em uma variação similar dos tipos vividos por seu pai, Bruce Lee, algo que ele lutava muito para que não acontecesse. Rochelle Davis, que interpretou a pequena Sarah, afirmou em uma entrevista posterior que o ator ficou tremendamente feliz ao saber que a menina não dava importância alguma para o parentesco do colega. Ele queria ser respeitado profissionalmente e sabia que “O Corvo” simbolizava sua entrada pela porta da frente em Hollywood. A dedicação dele é perceptível, o peso da culpa que o personagem sente é transmitido na forma de andar e nas inclinações de rosto.

O diretor Alex Proyas tem apreço por temas esotéricos, melancólicos, enigmáticos, fantasticamente surreais, apaixonado pelas obras de Tarkovski e Ridley Scott. Eu gosto muito de “Cidade das Sombras” e “Presságio”, o primeiro ganhou status cult, mas o segundo foi apedrejado pela crítica na época de seu lançamento, talvez eu tenha sido um dos poucos que elogiou a sua estética. “O Corvo”, com sua montagem frenética alternando presente e passado, estava muito à frente de seu tempo. O que me emociona sempre é o desenvolvimento da relação entre Eric e a menina, vítima da parentalidade irresponsável. Sarah se sente sozinha em um mundo dominado por adultos insensíveis. Ao perder seus únicos amigos, ela encara a realidade de crescer e se tornar uma cópia da mãe drogada e promíscua. O espírito vingador a abraça e a faz entender que a morte não significa o fim do sentimento. Aquele que vive nas sombras, devastado internamente, conforta a menina. A cura pela dor. É uma linda mensagem. 







* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline".

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Cine Bueller - "Repo Man - A Onda Punk", de Alex Cox

Link para os textos anteriores do especial que resgata as memórias da "Sessão da Tarde" e do "Cinema em Casa":


Repo Man - A Onda Punk (Repo Man - 1984)
Um jovem punk trabalha recuperando carros que não foram pagos e acaba por conhecer um cientista louco que sequestrou alienígenas.

“Este é Otto, louco, rebelde, agressivo, até arranjar uma perigosa profissão”. A chamada televisiva não preparava o espectador para a experiência, fazia parecer ser uma trama convencional. O primeiro filme do cineasta britânico Alex Cox, que alcançaria maior reconhecimento com “Sid e Nancy”, não pode ser sintetizado em uma sinopse, nem reduzido a um gênero específico, “Repo Man” fala diretamente ao período sociopolítico norte-americano da era Reagan, debochando ferinamente do vexaminoso fenômeno dos televangelistas, cutucando a ferida exposta da desilusão nacional extravasada em rompantes patrióticos caricatos e vazios, além de criticar a pasteurização da atitude punk na juventude da época. Ele também encontra espaço generoso para brincar com as convenções da ficção científica na subtrama do cientista e seu misterioso automóvel Chevy Malibu 64, com um porta-malas que desintegra todos aqueles que tentam descobrir o que está sendo carregado, uma espécie de McGuffin divertido, que foi homenageado por Tarantino em “Pulp Fiction”.

Quando Otto (Emilio Estevez) caminha pelas ruas de Los Angeles, ele encontra diversos adolescentes que agem de forma excessivamente agressiva, sem razão alguma, vestindo camisetas estampadas com seus ídolos na música, defendendo jargões batidos, uma rebeldia esquisita intensamente capitalista, nada orgânica, como na clássica frase “vamos comer sushi e sair sem pagar”, revolta de criança mimada, em suma, a visão estereotipada do movimento punk que o mundo do entretenimento eternizou em filmes tontos como “Desejo de Matar 3”. O rapaz acaba descobrindo que os seus colegas coroas de cobrança automobilística, marginais sem verniz estético algum, são, de fato, a essência do punk, nadando contra a corrente de um sistema que estabelece controle etiquetando a felicidade embalada para presente. Cox, genuíno apaixonado pelo tema, questiona o sentido dessa expressão artística, evidenciando a banalização midiática do espírito dessa subcultura.






* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Versátil", com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, no digistack "Clássicos Sci-Fi, Vol. 3", que conta também com os filmes: "Colossus 1980", "Fase IV - Destruição", "Pânico no Ano Zero", "Daqui a Cem Anos" e "O Emissário de Outro Mundo". 

"McQ - Um Detetive Acima da Lei", de John Sturges


McQ - Um Detetive Acima da Lei (McQ - 1974)
McQ é um veterano da polícia de Seattle, um tenente que poderia ser capitão, mas seu jeito "duro" com a bandidagem atrapalha sua carreira. Ele e seu amigo e parceiro investigam o traficante Santiago, até que o parceiro é morto. McQ de imediato quer ir atrás de Santiago, mas seus superiores não lhe dão o caso. Ele então pede demissão e passa a agir como detetive particular.

O jazz de Elmer Bernstein emula o som característico de Lalo Schifrin, a identidade musical de “Dirty Harry”, filme de Don Siegel que ditou o tom sombrio do cinema policial norte-americano da década de setenta. Se Clint Eastwood, ícone do faroeste italiano, havia conseguido transpor sua persona das pradarias selvagens para as ruas povoadas por junkies, o próximo passo óbvio seria arriscar com o pai de todos os caubóis, John Wayne, afinal, ele rejeitou o papel principal no clássico de 1971. É interessante imaginar como a história poderia ter sido diferente caso a .44 Magnum tivesse caído nas mãos da primeira opção dos produtores, Frank Sinatra. Ele estava com a mão machucada, Clint aproveitou a oportunidade e redefiniu o gênero. Wayne acabaria trabalhando com Siegel em sua belíssima despedida: “O Último Pistoleiro”. 

“McQ” é dirigido por John Sturges, de “Fugindo do Inferno”, “Sete Homens e Um Destino” e “Sem Lei e Sem Alma”, um artesão capaz de garantir o refinamento necessário para um projeto que, desde o início, foi pensado como uma tentativa de lucrar com o sucesso de “Dirty Harry”, oferecendo ao público uma versão diferente da imagem consagrada de seu astro, que pela primeira vez atuava como um policial. Se Harry portava uma .44 Magnum, McQ faz estrago com sua Ingram MAC-10, novidade na época. O roteiro de Lawrence Roman é simples, falta polimento, mas entrega um desfecho ousado, fiel ao espírito decadente de obras como “Operação França” e boa parte dos melhores da safra blaxploitation. A idade avançada de Wayne pode ter preocupado o diretor, mas enxergo esse elemento como algo altamente positivo, o espectador sente no rosto dele o cansaço após uma perseguição a pé, o desconforto ao notar o flerte da prostituta viciada de meia-idade interpretada por Colleen Dewhurst, ou o olhar distante nas cenas em que descobre estar inserido em um sistema apodrecido, o seu personagem trazia muito da angústia que o ator vivia no momento com o término de seu relacionamento amoroso com Pilar Pallete. 






* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Studio Classic Filmes".