Link para os textos anteriores desse especial que se leva
tão a sério quanto o próprio Woody:
“Mais honesto que eu no Brasil, só Jesus Cristo”.
Essas foram as últimas palavras de Chico Tatu antes de ser
preso pela polícia federal. O pobre homem do sertão que, sem ter lido um livro
na vida, chegou a ocupar o cargo mais importante em um país, apenas para
confirmar com suas ações desastrosas que o analfabetismo não é motivo de
orgulho. Assim como seu ídolo, o Pinguim do filme “Batman – O Retorno”, ele teve
a ajuda de um marqueteiro sem princípios em sua jornada política, abrandou seu
discurso, sorriu mais, passou a tomar banho e se vestir com roupas melhores.
Mas, após ser incriminado em um dos processos mais sujos e escandalosos da história política nacional,
rasgou animalescamente suas roupas elegantes, voltou a vociferar e virou seu
guarda-chuva vermelho explosivo na direção daqueles que cansaram de sua
teatralidade rasteira.
Muitos intelectuais afirmam hoje que isso era uma tragédia
anunciada. É o caso de Torquato Neto, professor de latim na Universidade de
Madureira:
- “Para todo trabalho é preciso preparo, não um mínimo de preparo,
preparo sério, o cozinheiro do restaurante não pode ter tido aulas em seu
ofício vendo programa de culinária na televisão, ele tem que estudar, ele tem
que ler. Creio que pra ser presidente de uma nação funcione da mesma forma”.
Sábio professor, que precisa dar aulas em quatro escolas e
se prostituir à noite, para conseguir sobreviver. Como é triste ser intelectual
nessa nação. Enquanto isso, Chico Tatu segue arregimentando fiéis para sua
seita mesmo atrás das grades. E o citado Jesus Cristo promete voltar para processar ele
por utilização indevida de seu nome. Em comunicado obtido em mesa espírita na
tarde de ontem:
- “Já não bastava ter essa corja de pastores neopentecostais fazendo
fortuna com meu nome? Agora o negócio foi longe demais...”.
Café Society (2016)
Bobby é um jovem aspirante a escritor que resolve se mudar
de Nova York para Los Angeles. Lá, ele deseja ingressar na indústria
cinematográfica com a ajuda de seu tio Phil, um produtor que conhece a elite da
sétima arte. Após um bom período de espera, Bobby consegue o emprego de
entregador de mensagens dentro da empresa de Phil. Enquanto aguarda uma
oportunidade melhor, ele se envolve com Vonnie, a secretária particular de seu
tio. Só que ela, por mais que goste de Bobby, mantém um relacionamento secreto.
Quando soube que o mestre Vittorio Storaro iniciaria uma parceria como o diretor de fotografia de Woody, em uma trama ambientada na década de trinta, agradeci aos deuses do cinema por possibilitarem crepúsculo profissional tão belo para esse incansável artista. Em uma indústria cada vez mais escrava da grandiloquência, o baixinho de voz mansa segue entregando anualmente os textos mais inteligentes do mercado, com pouco orçamento e disciplinadamente encaixando a duração final por volta de noventa minutos, exercitando sua incrível capacidade de síntese narrativa. Ele abraça pela primeira vez a filmagem digital, mas continua marchando no ritmo de seus próprios tambores criativos, o roteiro toca em temas essenciais em sua filmografia, como a discussão existencialista sobre a morte, a ironia do amor não correspondido e a desconstrução ácida da melancolia nostálgica, com a mesma vitalidade de seus primeiros trabalhos. Nesse contexto, a bonita homenagem que ele presta à cena mais famosa de sua carreira, a ponte Queensboro de Manhattan, ganha contornos ainda mais simbólicos. E até mesmo a narração em off, recurso desgastado e usualmente prejudicial, potencializa o investimento emocional do espectador sendo defendida pela voz simpática do diretor.
É hilária a forma como o roteiro expõe a prepotência dos
membros da alta sociedade de Hollywood. Na cena da festa na casa do agente, um
jornalista brinca com Bobby (Jesse Eisenberg), “amor não correspondido mata
mais que tuberculose”, no que o jovem ri e ironicamente responde que acredita
na afirmação. O jornalista então fica sem jeito e faz questão de deixar claro
que era apenas uma piada, como se o rapaz não fosse inteligente o suficiente
pra entender uma simples brincadeira. Eisenberg compreende perfeitamente o
humor de Woody, equilibrando em seus maneirismos a insegurança e a coragem dos
tolos. Ao optar pela utilização do soft focus ao emoldurar o rosto da
personagem de Kristen Stewart, enxergamos sua beleza através dos olhos do rapaz
que a idealiza como um sonho inalcançável, a secretária simplória que ele descobriu
ser a personalidade mais gloriosamente genuína naquela terra de ilusão. Assim
como a sequência que mostra o tio judeu mudando de religião apenas para nutrir
esperança em uma vida após a morte, o leitmotiv da teatralidade conveniente se
faz presente na transição da jovem, de alguém que desprezava as atitudes das
mulheres da alta sociedade, para uma legítima “esposa troféu”, mantendo um
relacionamento vazio apenas pelo status que conquistou.
Ao final, os dois apaixonados, em locais diferentes e
estabelecidos em relações frágeis, olhares distantes e melancólicos, como que
buscando a luz verde do farol do Gatsby literário, de Fitzgerald. E, ousado, Woody insinua no sorriso suave da mulher a possibilidade de que o amor verdadeiro ainda terá chance de superar a insegurança social. Poético desfecho para um dos melhores filmes em sua filmografia.
Woody Allen, como sempre, uma reserva de inteligência na indústria do cinema. Pena que já tenha 80 anos. Tomara que viva até os 120 para continuar nos dando essa alegria que o seu talento proporciona.
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