O jovem brasileiro que hoje, devido às facilidades de um
mundo moderno, adquire uma câmera de vídeo, junta suas ideias em um roteiro e
as filma, carrega dentro de si (mesmo sem saber) a chama inspiradora de Amácio
Mazzaropi.
As crianças que acompanhavam seus pais nas suas pomposas
estreias nas décadas de sessenta e setenta, não haviam testemunhado o auge dos
estúdios “Atlântida” e “Vera Cruz”. Para elas, cinema era coisa de Hollywood,
uma cara brincadeira de americanos e europeus. O cinema nacional amargava seu
pior período, vivendo a ressaca de décadas em uma busca desesperada por
identidade. As chanchadas da “Atlântida” divertiam, realizando verdadeiros
milagres com seus escassos recursos (incluindo equipamentos de segunda mão),
porém eram essencialmente paródias mal acabadas de sucessos americanos. Já na
época da “Vera Cruz”, existia um desejo de que as obras refletissem o povo
brasileiro, com filmes autorais (e qualidade técnica superior aos de outrora).
O grande problema é que suas produções continuavam se tratando de grandes
cópias do estilo americano e europeu, como “O Cangaceiro” (bebia da fonte dos
Westerns). Inegável sua importância, porém também não se pode negar que se
tratava de uma canhestra busca por uma identidade nacional cinematográfica.
Levando em consideração que o “Cinema Novo” também parasitava tremendamente
as produções europeias da época (o neo-realismo italiano e a nouvelle
vague francesa, especialmente), podemos de maneira justa afirmar que, até
poucas décadas atrás, o único cinema genuinamente brasileiro foi o de Mazzaropi.
Amácio iniciou em produções da “Vera Cruz” e acabaria se
apropriando de seus estúdios (em 1958, após sua falência), formando sua própria
produtora: “PAM Filmes”. Essas produções eram tecnicamente falhas, com algumas
atuações fracas e enredos simples, porém realizados com extrema paixão. O
público sentia isso e lotava os cinemas. Famílias viajavam por horas e
aguentavam filas enormes, apenas para assistir uma hora e meia do puro humor caipira.
Obras populares feitas com dinheiro do próprio bolso do cineasta, filmadas na
maioria das vezes em sua própria fazenda. Produtor de si mesmo, ele conhecia muito bem seu público e o respeitava. A crítica especializada (atenta
aos erros técnicos, porém cega perante sua importância para a necessária formação de uma
indústria) tratava-o como escória a ser pisoteada a cada ano. Em entrevista
para a revista “Veja” no início da década de setenta, amargurado afirmou: “conte
minha verdadeira história, (…) de um ator bom ou mau que sempre manteve cheios
os cinemas. (…) Que nunca recebeu uma crítica construtiva da crítica
cinematográfica especializada – crítica que se diz intelectual. Crítica que
aplaude um cinema cheio de símbolos, enrolado, complicado, pretensioso, mas sem
público. A história de um cara que pensa em fazer cinema apenas para divertir o
público, por acreditar que cinema é diversão e seus filmes nunca pretenderam
mais do que isto”.
A realidade é que mesmo sendo um cinema barroco, simples e
ingênuo, longe dos padrões de qualidade que a crítica costuma buscar, existe
algo no cinema de Mazzaropi que nenhum outro cineasta brasileiro (mesmo os mais
estudados) conseguiu alcançar. Talvez nem o próprio soubesse discernir este
elemento, que atraía seu público e que o mantém vivo até hoje. Basta olhar seus
filmes e em poucos minutos descobre-se tal elemento: Raça. Garra. A
habilidade invejável de virar as costas para os detratores e seguir seu
caminho, realizando exatamente o que seu coração deseja.
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