Revi alguns dias atrás o ótimo “Não me Abandone Jamais” (Never
Let Me Go – 2010) e fiquei algumas horas, após os créditos finais, discutindo
a eficiente crítica que ele apresenta. Obviamente que o mérito é do escritor
japonês Kazuo Ishiguro, que em 2005 concebeu este brilhante conceito em forma
de ficção científica. Tendo lido a obra antes mesmo dela haver sido lançada no
Brasil, já considerava impossível que algum cineasta ousasse transpô-la para a
linguagem cinematográfica. Pensava que, caso ocorresse, provavelmente seria de
forma tão diluída que perderia todo seu significado. À época de sua
pré-produção, lembrei-me do caso ocorrido com Jerry Lewis e seu projeto “The
Day the Clown Cried” (O Dia em que o Palhaço Chorou), que causou enorme
polêmica no início da década de setenta, levando-o a nunca lançá-lo comercialmente.
Lewis buscava demonstrar aos críticos seu talento como ator
dramático, porém escolheu um tema “espinhoso”. Ele interpreta Helmut Doork, um
simplório palhaço alemão que é expulso de um campo de concentração nazista após
debochar de Hitler. Como castigo, vê-se forçado a entreter as crianças
destinadas à morte nas câmaras de gás. Basta imaginar esta sinopse, para
sentirmos um frio na espinha. Extremamente corajoso, porém terrivelmente
mórbido. O filme foi completado e alguns produtores chegaram a assistir o corte
bruto, inclusive sua roteirista Joan O´Brien, que ficou chocada com o resultado.
O fato é que a obra tornou-se mítica com o passar dos anos, com os fãs (no que
me incluo) desesperados para assistirem-no. Alguns dizem que após o falecimento
de Jerry, o filme talvez seja liberado, mas acredito que infelizmente nunca
teremos acesso ao material (existem várias fotos da produção, o roteiro em
inglês e até alguns curtos vídeos de bastidores disponíveis na internet).
Felizmente, a trama do filme de Mark Romanek é fiel ao livro
original, contando a trágica jornada de crianças clonadas, que são criadas, isoladas
da sociedade, para serem futuras doadoras de órgãos. Indiferentes ao cruel
processo, elas vivem uma rotina de brincadeiras e inocentes flertes românticos.
Ao atingirem a idade adulta, passam a doar seus órgãos até que não suportem
mais e “concluam” (morram). Na obra, os personagens não possuem sobrenome,
apenas um “H.” que representa o brasão da “escola” onde vivem. A repressão ao
individualismo encontra sua fuga (a natureza sempre encontra um caminho) no
simbólico berro desesperado que o personagem vivido por Andrew Garfield emite
em dois momentos distintos. A questão final que a obra apresenta é engenhosa,
pois passamos a duração do filme lamentando o destino dos jovens, escravos de
uma vida curta, porém esquecemo-nos de que muitas vezes desperdiçamos a nossa
própria existência, inclusive dando pouco valor àqueles que mais amamos. Como a
protagonista (Carey Mulligan) questiona em certo momento: “Será que a vida das
pessoas normais é tão diferente da nossa?”. Eles são como nós, mais preocupados
em suprir suas carências afetivas antes do fim, do que com a própria morte (que
é a única certeza, em ambos os casos).
O filme termina e sentimos o louco desejo de
aproveitarmos cada segundo de nossas vidas, apreciando cada pequeno detalhe.
Como os geniais membros do “Monty Python” afirmaram na letra de “Always Look on
the Bright Side of Life”: “A vida é bem absurda e a morte é a palavra final,
você deve sempre encarar a cortina com uma reverência… Dê para a plateia um
sorriso. Divirta-se, pois esta é sua última chance mesmo”.
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