Dentre aqueles profissionais que transitavam pela
pornochanchada da “Boca do Lixo”, ele talvez tenha sido o mais criativo e
ousado realizador. “As Libertinas” (1968), “Audácia” (1970), “Corrida em Busca
do Amor” (1972) são alguns dos vários projetos deste filão de qualidade
bastante questionável, porém “A Ilha dos Prazeres Proibidos” (1979) e “Extremos
do Prazer” (1984) demonstravam que era possível incutir uma trama interessante
em um gênero apelativo e imaturo, que trouxe enorme lucro aos produtores, porém
atrasou a cinematografia nacional até a recente retomada. Com o fim da
ditadura, os brasileiros começaram a ter acesso aos filmes pornôs estrangeiros,
o que enfraqueceu a indústria que havia se estabelecido.
Na segunda metade da década de oitenta ele elaborou o ótimo
“Filme Demência” (1986), onde se utilizou do conto de Fausto para experimentar
com o que aprendeu assistindo Godard, resultando em algo autoral e
inventivo. “Anjos do Arrabalde” (1987) já levou o diretor a flertar com o
cinema realista de Kenji Mizoguchi, criando um melodrama onde a violência
circunda três dedicadas professoras da periferia de São Paulo. Porém foi com o
maduro “Alma Corsária” (1993), que ele realmente fez uso de todas as suas
referências com sensibilidade e perfeito equilíbrio. A trama segue a parceria
entre dois jovens poetas (inspirados em Augusto dos Anjos e Cesário Verde) de
estilos distintos, um sendo pura emoção, o outro cada vez mais absorto em
questionamentos existenciais. Quando lançam um livro juntos, o cineasta utiliza
o “micro” (festa de lançamento) para retratar a hipocrisia da sociedade (criticando
inclusive alguns colegas de “Cinema Novo”), disposta a dividir com a precisão
de uma lâmina samurai, aquilo que se estabelece como sendo “Arte” e o
que é popular. Um negro com aparência de estivador aproxima-se de um piano
em um bar e conduz “Clair de Lune” (junção do refinado Debussy com o popular
poeta francês Paul Verlaine, escolha coerente com a proposta da cena), sendo
prestigiado no mesmo ambiente pelo galã Walter Forster e pela Flor, a popular
jurada de Silvio Santos. A comunhão entre as diferenças, proporcionada pela
beleza da música. Uma das cenas mais poéticas do cinema nacional, infelizmente
muito pouco conhecida pelos brasileiros.
Independente de seu valor como diretor, eu o admirava por
sua conduta. Reichenbach valorizava gêneros normalmente desprezados pela
crítica (e pelos próprios cineastas), como a comédia, o terror e o “Kung-Fu”
oriental. Admirava a competência de Jerry Lewis como autor (“O Rei dos Mágicos”
era um de seus favoritos), assim como reverenciava a ousadia estética dos
criadores da “nouvelle vague”. Tendo iniciado sua carreira escrevendo sobre
cinema, ele disse certa vez em uma entrevista: “O bom crítico de cinema é,
essencialmente, um garimpeiro em busca das verdadeiras gemas. As maiores gemas
estão sempre onde menos se espera”. Insatisfeito com o rumo do jornalismo
cinematográfico conduzido nos grandes jornais (cada vez mais presos ao “lobby”
e a interesses escusos, por vezes limitando-se a reduzir o valor de uma obra a
um símbolo “positivo” ou “negativo”, em poucos caracteres), ele apreciava mais
os textos que estavam sendo realizados em blogs, podendo então ser considerado
o “patrono” de todos que, como eu, são apaixonados pelo cinema e expõem esse
sentimento com responsabilidade e dedicação neste rico mundo virtual. Esteja em
paz, Carlão. Obrigado!
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