quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sábio Silêncio - Parte 9


Diário
13 de Janeiro – 1920 – Tarde

Aproveitei que Chaplin estava próximo e visivelmente descontraído, para abordá-lo com mais informalidade. Eu queria registrar uma entrevista com aquele gênio, mas não sabia se conseguiria manter a atenção dele por mais que alguns minutos, então eu tive que ser bastante objetivo. Chamei sua atenção e, para minha surpresa, ele já me conduziu pelo braço para dentro da casa. Ele era tímido, mas extremamente atencioso, quando percebia que estava falando com alguém minimamente interessado em seu trabalho, não em se aproveitar de sua fama para outros interesses. Notei que ele tinha paranoia com relação a oportunistas (principalmente do sexo feminino), algo que ele deixou transparecer em algumas das conversas que presenciei ao longo daquele dia. Passamos pela elegante escadaria curva de corrimão negro e sentamos num belo sofá ao lado de uma aconchegante lareira, descansando os pés no confortável apoiador. Apoiando a cabeça no braço direito, que se estendia pela parte de cima do sofá, sentado sobre a perna esquerda cruzada, Chaplin parecia uma criança, o que contrastava com a roupa formal que estava vestindo. Sem ele perceber, liguei o gravador e comecei a conversa:

- Você imaginou que chegaria tão longe, Charlie? – ele sorria e já meneava uma negativa com a cabeça, antes mesmo de eu terminar a sentença.

- Eu estou até agora esperando a herança da minha tia-avó, sonhando com a riqueza e a glória que ela pretensamente irá me trazer. – percebendo que não captei a piada, ele continuou em tom mais sério. – Quando o empresário de Fred Karno me mostrou um telegrama dos donos da New York Motion Picture Company, eu me enganei achando que eram alguns advogados me procurando por conta da minha tia-avó Elizabeth Wiggins, que achei que tivesse morrido e me deixado uma boa herança. Aquilo iria me salvar naquele momento. Na verdade, acabou me salvando, pois eles estavam me chamando para trabalhar para a Keystone, substituindo Ford Sterling. Sennett já havia falado comigo quando eu me apresentava nos teatros, mas nunca iria imaginar que um dia acabaria trabalhando pra ele. Em uma semana estava passando fome, na outra estava recebendo 150 dólares. Incrível, não?

- Mas você se imaginava fazendo sucesso nos filmes, ou visualizava apenas os palcos?

- Eu tinha certeza que a exposição nos filmes iria ajudar minha carreira nos palcos. Tentei durante um período, antes de ser contratado pela Keystone, comprar os direitos de todos os esquetes de Karno, para filmá-los. Eu não via potencial nenhum na Keystone, pelo material que eu assistia. Era uma comédia muito simplista, repetitiva, gravada com rapidez, sem o polimento que eu considerava essencial. No entanto, eles eram ótimos na publicidade dos seus produtos. Algo que acabei me tornando. Talvez, com alguns meses lá, poderia voltar para o Vaudeville como um nome conhecido mundialmente. Essa era minha ambição quando assinei o contrato. Hoje existem pessoas que trabalham imitando o que faço, como Billy West.

- E você não se irrita com ele ganhar dinheiro copiando você?

- Ele imita o “vagabundo”, não Chaplin. Se ele me imitasse, ficaria muito irritado. O “vagabundo” não é meu, mas do mundo. Por mais que eu me esforce muito para que ele se apaixone por mim (risos), ele é do povo. E o West faz um ótimo trabalho, ou fazia, pois acho que ele está buscando agora novos caminhos em seus projetos. E, além do mais, ganhar dinheiro com Arte é sempre válido. Eu nunca impediria isso. Eu mesmo iniciei fortemente influenciado pelo francês Max Linder, de quem tive a honra de ser colega durante minha passagem pelos Estúdios Essanay, uns três anos atrás.

Senti que sua atenção começava a se desviar para a conversa que Fairbanks estava conduzindo do lado de fora da casa, então disparei a última pergunta:

- Como você teve a ideia pro “vagabundo”?

Ele se ajeitou no sofá. Dava pra ver a responsabilidade que ele sentia por esse personagem. Aquela criança havia se transformado subitamente em um empresário:

- Foi bem no início, em um dos filmes que fiz com Mabel Normand. Eu comecei mal no meu primeiro trabalho pra Keystone. Pensei que não teria outra chance, até que ela me indicou para esse filme dela. Eu entrei na última hora e fiz o que o diretor mandou. Sennett me disse para colocar alguma maquiagem e fazer o melhor que eu pudesse. Eu tinha odiado minha caracterização no anterior, então eu busquei equilibrar contradições (risos), com sapatos enormes contrastando com um chapéu pequeno. Calças largas demais, contrastando com um colete bem apertado. O bigode iria me fazer parecer um pouco mais velho, mas não caricato demais. Quando me olhei no espelho vestido como o “vagabundo”, foi como se eu já conhecesse aquela pessoa, foi realmente mágico. A recepção nas gravações foi tão calorosa, que Sennett acabou me colocando pra aparecer em quase todas as cenas. Na semana seguinte, filmamos “Corrida de Automóveis para Meninos” e o resto você já sabe (risos). Peço sua licença para me reencontrar com a luz do sol, antes que ele se despeça de nós.

E ele se levantou com mesura, deixando sentado no sofá um jovem muito sortudo. Se aquela noite fosse 10% como aquela breve conversa, seria fantástico...

Continua...

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