quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Seja a vela que ilumina a escuridão


Algumas semanas atrás, uma nova leitora me pediu ajuda e eu gentilmente recusei. Ela havia se posicionado publicamente sobre a óbvia baixa qualidade musical de um popular artista nacional e estava recebendo ataques de alguém que a chamava de homofóbica. Sem pensar duas vezes, eu pedi que ela dedicasse alguns minutos de atenção às postagens em meu perfil.

Ela não entendeu muito bem de início esta atitude, por conseguinte, deve ter considerado que era preguiça deste jovem escriba, afinal, ela havia acabado de conhecer meu trabalho. Com carinho, expliquei que eu jamais desperdiçava precioso tempo com temas irrelevantes, já que haverá sempre espaço generoso na sociedade para o que é grotesco, falso, sensacionalista, mas cada indivíduo, de qualquer classe social, raça e credo, tem a escolha de se entregar na busca pelo autoaprimoramento intelectual constante, ou somar na incomensurável fila dos medíocres e preguiçosos. Ela tem a opção de entrar no tolo jogo imediatista de um ídolo de barro, ou utilizar o mesmo tempo em algo culturalmente mais enriquecedor. A leitora entendeu o meu ponto de vista e agradeceu o conselho.

Hoje, poucos dias antes do final deste intenso ano, creio ser importante esta reflexão, não apenas nas redes sociais, mas também no cotidiano. A mudança de atitude é a fagulha que, em longo prazo, pode modificar uma nação. Acima de tudo, honre o "sapiens" que sucede o "homo". Seja a vela que ilumina a escuridão.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

"Star Wars: Episódio 8 - Os Últimos Jedi", de Rian Johnson


Star Wars: Episódio 8 - Os Últimos Jedi (Star Wars: Episode 8 - The Last Jedi - 2017)
Há algo claramente diferente na forma como esta nova trilogia está sendo produzida, não são mais apenas divertidos folhetins espaciais pensados para vender brinquedos nas épocas festivas, agora também abraçam sem rodeios as simbologias, os arquétipos, a mitificação da obra na cultura popular mundial com o objetivo principal de estabelecer um império lucrativo em longo prazo no maior e melhor parque de diversões, em suma, por trás de todas as intenções nobres, o interesse está nas filas que se formarão nas próximas décadas na Disneyland. A preguiça criativa de “O Despertar da Força” me preocupava, como fã de “Star Wars”, porque evidenciava nitidamente este redirecionamento comportado que desesperadamente evitava qualquer risco. A produtora Kathleen Kennedy, extremamente inteligente, optou por caminho mais esperto nesta segunda aventura. Ao entregar a responsabilidade do roteiro e direção a um competente cineasta autoral, Rian Johnson, dos excelentes “A Ponta de Um Crime” e “Looper: Assassinos do Futuro”, o filme encontra uma forma elegante de entregar algo novo e, ainda assim, manter operante a linha de conduta da empresa.

A máquina está bem azeitada, o humor funciona como um relógio suíço, tudo está em seu lugar, não há como negar que estamos diante de um produto tecnicamente perfeito. Mas e o coração? Se retirarmos da equação o investimento emocional nos personagens clássicos criados por George Lucas, o que sobra simplesmente não se sustenta narrativamente. Analise, por mais fofo que seja o BB-8, essencialmente não passa de uma cópia mais infantilizada do R2-D2, cumprindo a mesma função. Finn, Rey, Poe, Kylo, Rose, Snoke, Maz, nomes simples pensados para a fácil memorização do público infantil, mas que não sobrevivem fora da órbita de Luke, Leia, Han, Yoda, Chewbacca, entre outros. O próprio desejo coletivo dos fãs de teorizar sobre a origem destes novos nomes, buscando parentesco com os antigos, prova que, por trás do marketing poderoso e dos discursos de representatividade comercialmente atraentes, ainda são vazios. Tome como exemplo dois personagens inseridos nesta nova produção, Vice-Almirante Holdo (Laura Dern) e DJ (Benicio Del Toro). Eles cumprem suas funções, mas são duas incógnitas esteticamente interessantes, o desenvolvimento de suas personalidades é muito mais teórico que prático. Até mesmo a trilha sonora de John Williams reflete este problema estrutural, pela primeira vez na franquia não há sequer um tema novo que se destaque, todos os momentos emocionantes evocam temas antigos.

Dito isto, eu vou agora apontar os preciosos pontos positivos da obra, algo que é impossível fazer sem spoilers, já que estão intrinsecamente conectados às decisões que o roteiro toma após o primeiro ato.

(O parágrafo seguinte irá revelar partes importantes da trama, então sugiro que leia após a sessão)

Outrora, “Star Wars” era uma história sobre a família Skywalker, com o jovem Luke (Mark Hamill) sendo o avatar do seu criador George Walton Lucas Jr., o menino da fazenda de noz em Modesto que sonhava grande. Hoje, toda criança do mundo quer ser Jedi, quer ser especial e viver este sonho. A Disney então decide avançar gradativamente neste terreno fértil, “Os Últimos Jedi” vê germinar as sementes plantadas no esforço anterior. O despertar da Força em Rey (Daisy Ridley) não se explica por herança genética, a jovem descobre ser de origem comum, sem sangue azul, uma pobre coitada que foi vendida por seus pais na infância. O menino escravo da cidade cassino Canto Bight, assim como o pequeno Anakin de “A Ameaça Fantasma”, também demonstra estar conectado com a Força no belíssimo desfecho. A mensagem é óbvia, as possibilidades agora são infinitas para a franquia. A fagulha de esperança reavivada pela lenda dos Skywalkers injetou na galáxia a coragem de enfrentar o mal em todas as suas interpretações, inclusive com a corajosa adição dos tons de cinza, afastando a saga de suas raízes puramente fantasiosas e tocando a área da crítica política da era Trump. Como a subtrama que acompanha Finn (John Boyega) e Rose (Kelly Marie Tran) mostra, o herói vende arma para o inimigo, a corrupção atinge todos os níveis de poder, nada é seguro, nenhuma vitória é desprovida de dor e culpa. A resposta está na compreensão de que o importante é a essência, não os rituais, não os dogmas, o ensinamento de Yoda (Frank Oz) ao literalmente queimar os alicerces da religião Jedi é valioso, especialmente nos tempos sombrios em que vivemos, com o perigoso fundamentalismo ganhando cada vez mais espaço no mundo. Kylo/Ben (Adam Driver) é o típico fundamentalista religioso que projeta suas frustrações em frágeis ambições espirituais, uma espécie de Coronel Kurtz (de “Apocalypse Now”) afundado no abismo de seus próprios delírios de grandeza. Seguindo a analogia, vale destacar que nas artes conceituais do filme, o personagem aparece careca. Ao enfrentar seus medos na caverna, Rey enxerga seu próprio rosto, ela aprende que a solução não reside no outro, o futuro será traçado por suas próprias atitudes, logo, a responsabilidade é dela. Quando pensamos que o público-alvo do filme é infanto-juvenil, o valor desta mensagem se torna ainda mais relevante. Ao final, o sacrifício dos heróis alimenta a brasa da revolta nos olhos do menino escravo, outrora incapaz de se imaginar como elemento importante na sua realidade, a faísca de esperança simbolizada pelos sonhos de aventuras espaciais despertados pela mitologia Jedi, a força interna que o fará atravessar qualquer situação difícil com integridade. Quando o simplório cabo de vassoura se transforma na sua imaginação em um poderoso sabre de luz, o roteiro estabelece que não há Império ou Primeira Ordem capaz de superar a nobreza daqueles que ousam encarar seus desafios sem subterfúgios. 

(Fim dos spoilers)

É importante ressaltar o carinho com que o roteiro trabalha a personagem da saudosa Carrie Fisher, a General Leia protagoniza uma das cenas mais bonitas de toda a franquia, arrepiante em sua execução. Seu irmão, Luke, é responsável por algumas das cenas mais impactantes do filme, material que não vai sair tão cedo da mente dos fãs. Quando eles não estão em cena, o motor segue funcionando, mas nada soa natural, todos os movimentos são friamente calculados. "Os Últimos Jedi" é um filme emocionalmente eficiente, pode ser colocado facilmente entre os três melhores da franquia, mas é fundamental enxergar a fragilidade na estrutura. Se haverá futuro para “Star Wars”, vai depender de como os roteiristas irão se esforçar para dar relevância ao contexto deste universo pós-Retorno de Jedi e, principalmente, agregar camadas no desenvolvimento dos personagens novos. 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

TOP - 2017


1 - Mãe! (mother!), de Darren Aronofsky
"... O símbolo do criador sendo representado como poeta escritor é muito eficiente, criação artística e divina, há uma camada de interpretação menos alegórica que permite identificar a trama como um tratado sobre as dificuldades do processo criativo e o desejo narcisístico de ser reconhecido pelo trabalho. O bebê que é entregue à massa de adoradores, o livro que finalmente vai ser lido por outrem, o esforço do autor e o abandono do material que agora será adotado por cada leitor. Mas o viés religioso é muito mais instigante. O bebê Jesus, os seus ensinamentos, desvirtuados por vários interesses baixos, o pastor que fala em nome do criador e faz fortuna vendendo sua imagem. O mesmo povo que mata o bebê por negligência, no torpor da adoração excessiva, divide ele em pedaços e ingere sua carne em ritual, a celebração da falsa aparência, enquanto praticam o oposto do que ele pregou, destruindo a casa em sua ruidosa passagem, literalmente estuprando a mãe Terra. A personagem vivida por Kristen Wiig, a editora/apóstola, está pronta para utilizar os escritos do autor e lucrar em seu nome, uma organização que busca apenas conquistar o poder e manter-se relevante, injetando culpa, medo e penitência como elementos de controle social e político. E, num gesto de incrível coragem, Aronofsky mostra ela no terceiro ato sendo a fria líder armada em uma chacina, as guerras santas, o dedo que aperta o gatilho, ou se omite quando é conveniente. Uma obra questionadora, que desafia o público e estabelece tensão na medida certa para satisfazer até mesmo aqueles interessados apenas no elemento do entretenimento. Ao ousar novamente em um produto mainstream, o diretor prova que ainda há vida inteligente na indústria..."


2 - A Criada (Ah-ga-ssi), de Chan-wook Park
"... Adaptando com liberdade poética o livro Fingersmith, de Sarah Waters, o diretor sul-coreano Chan-wook Park demonstra tremendo refinamento estético e implacável ousadia, além de perfeito senso de suspense, sem receio de abraçar o erotismo da obra. Uma experiência que deve ser apreciada com o mínimo conhecimento sobre sua trama..."


3 - O Cidadão Ilustre (El Ciudadano Ilustre), de Gastón Duprat e Mariano Cohn
"... Mas há um elemento que compensou todos os absurdos vividos por ele, uma réstia de luz que brotou de onde menos se esperava, o jovem atendente do hotel, educado, de fala mansa, que, com toda delicadeza, ofereceu seus despretensiosos escritos para a avaliação do visitante. Naquela cortês figura que os clientes arrogantes nunca valorizam reside a matéria nobre que jamais será reconhecida naquela cidade, o sonho profissional que nunca será estimulado, a força de espírito que será pisada até se tornar uma lembrança melancólica em uma rotina frustrante, o reflexo no espelho do veterano, a mão estendida que implora por ajuda em uma massa de zumbis. E o homem, esgotado e pronto para abandonar novamente aquele esgoto a céu aberto, dedica então preciosos minutos para oferecer ao garoto o melhor presente de sua vida: esperança. Se ele conseguir salvar pelo menos um indivíduo valoroso, a viagem terá valido a pena..."


4 - Clash (Eshtebak), de Mohamed Diab
"... O diretor egípcio do excelente Cairo 678 retorna em grande estilo, mais maduro e seguro em seu ofício. Nunca um espaço cênico tão reduzido serviu para explorar tantas questões sociopolíticas fundamentais. É uma aula de cinema, com baixo orçamento e um ritmo vertiginoso. Filme de gente grande para gente grande..."


5 - Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight), de Barry Jenkins
"... Acordar sabendo que a sociedade o rejeita de diversas formas, excluído por ser pobre e negro, agredido na escola por ser introvertido, internamente incapaz de compreender sua homossexualidade, obrigado a medir cada gesto, silenciar impulsos, sem poder contar com a estabilidade emocional de uma mãe (Naomie Harris) entregue ao vício em crack, esse é o cotidiano do pequeno Chiron. A sua única figura paterna, um traficante de drogas que o encontra arredio, fugindo do ataque de seus colegas, alguém que enxerga nos olhos da criança a pureza que outrora guiava suas ações, antes do mundo o bestializar. O homem, vivido impecavelmente por Mahershala Ali, tem consciência de que faz parte da engrenagem que está destruindo o garoto, a culpa o humaniza, evitando inteligentemente o estereótipo..."


6 - Corra! (Get Out), de Jordan Peele
"... Ao perceber o carro de polícia se aproximando na cena do crime, o rapaz negro, apesar de estar consciente de sua inocência, levanta os braços aguardando a injustiça do sistema. O ato de viver em alerta constante, o medo de se permitir confiar em alguém, Jordan Peele, roteirista/diretor em sua obra de estreia, impressiona pela segurança com que trabalha os elementos tradicionais do gênero terror, focando nessas questões sem ser panfletário, equilibrando com desenvoltura na equação os alívios cômicos..."


7 - Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake), de Ken Loach
"... O relacionamento de amizade formado entre Daniel, Katie e seus filhos, elemento que brota naturalmente a partir de um simples gesto de carinho dele com a jovem, um olhar atento quando todos fingiam não perceber sua presença, proporciona momentos de linda delicadeza e refinado simbolismo, como a estante feita à mão na esperança de que suporte no futuro o peso dos livros acadêmicos da amiga, a salvação pela cultura..."


8 - La La Land: Cantando Estações (La La Land), de Damien Chazelle
"... A cena inicial sintetiza uma das propostas do filme, a proposta mais óbvia, a celebração do gênero musical, a importância de se apreciar a beleza de suas convenções. O ato antinatural de contar uma história utilizando o canto e a dança, a reclamação mais comum dentre os detratores de musicais, apenas agrega mais possibilidades criativas. É preciso ter sensibilidade. A sociedade está cada vez mais insensível, impaciente e intolerante, mas a música está sempre presente, de alguma forma, até mesmo no alarme de mensagens do celular. Ao optar por dar o tom da trama mostrando vários motoristas entretidos musicalmente, enquanto aguardam o trânsito fluir, Damien Chazelle evidencia a onipresença melódica que é capaz de nos conduzir para a infância, ou ajuda a relembrar amores perdidos e marca momentos especiais, nos faz rir e chorar, em suma, enverniza a vida com a matéria de que são feitos os sonhos..."


9 - Doentes de Amor (The Big Sick), de Michael Showalter
"... O choque de culturas já seria interessante o suficiente, a angústia do rapaz que é guiado pelos pais egoístas à uma escolha profissional indesejada e encontros românticos arranjados em que o amor é o elemento menos importante na equação. Se ele demonstrar interesse em uma garota que não seja de sua cultura, a família se sente envergonhada e rompe a relação de afeto com o filho. É a tradição de seu país, assim como a oração diária que ele finge fazer enquanto checa os vídeos engraçados na internet, um cabresto social/religioso que pode ter profunda relevância para seus pais e irmãos, mas que não significa absolutamente nada em sua vida. A forma como o texto orgânico trabalha a questão, aliada à entrega incrivelmente natural do elenco, faz com que em poucos minutos o espectador esteja conectado emocionalmente aos personagens, o que é essencial para a eficiência narrativa do ponto de virada, quando o fator da imprevisibilidade conduz a trama além das convenções usuais do gênero da comédia romântica..."


10 - Frantz, de François Ozon
"... Quando é revelado o real motivo que levou Adrien a visitar a lápide de Frantz, o filme ganha contornos poéticos, revelando-se um bonito conto sobre o poder do perdão e da mentira como forma de arte. Os pais de Frantz sorriem mantidos na ignorância plena, Anna enfrenta seu medo e revela seu sentimento, algo tão forte que sequer a rejeição enfraquece, muito pelo contrário, no delicado desfecho, consciente do efeito curador da mentira contada por Adrien, com a fotografia colorida ressaltando o futuro promissor que se revela no horizonte, livre da culpa, a jovem agradece à pintura por mantê-la viva..."

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

"Armadilha Amorosa", de Charles Walters


Armadilha Amorosa (The Tender Trap - 1955)
Charlie Reader (Frank Sinatra), agente de Manhattan, vive cercado de belas e esperançosas jovens. Um dia durante uma sessão de testes, ele conhece Julie Gillis (Debbie Reynolds), aspirante a atriz e doida para arranjar um marido. Logo estão saindo juntos, mas ela diz que só se casará com ele depois que ele se livrar das outras garotas. Charlie, que ainda não falara nada sobre casamento e se preparava para deixá-la, fica tão surpreso com o ultimato que acaba se apaixonando de verdade por ela. Mas as coisas se complicam quando Charlie recebe a visita de Joe (David Wayne), um velho amigo que quer dar um tempo em seu casamento e está com um antigo namorico de Charlie, a elegante violinista Silvia (Celeste Holm).

Lançado no mesmo ano que “O Homem do Braço de Ouro”, superestimado dramalhão em que Sinatra vive um viciado em heroína, o singelo e agradável “Armadilha Amorosa” usualmente é eclipsado, eu considero um dos melhores momentos do cantor no cinema. Ele provou que conseguia segurar papeis dramaticamente desafiadores, como no espetacular “Meu Ofício é Matar”, e não faria feio anos depois como diretor em “Os Bravos Morrem Lutando”, mas é nas produções leves, nos musicais e comédias românticas, que ele se mostrava mais confortável. Dirigido pelo competente Charles Walters, dos excelentes “Desfile de Páscoa”, “Ciúme, Sinal de Amor”, “Lili”, “Casa, Comida e Carinho” e “Alta Sociedade”, com roteiro adaptado da peça de Max Shulman e Robert Paul Smith, o filme ganha pontos com o carisma encantador de Debbie Reynolds e Celeste Holm. Mas a estrela mesmo é a bela canção-título: “(Love is) The Tender Trap”, composta por Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn, que dá o tom teatral da trama já nos créditos iniciais e, especialmente, no desfecho. 

É o tipo de escapismo que a sociedade norte-americana precisava naquele período, o personagem de Sinatra, um mulherengo bon vivant, representa a força que se recusa a se moldar aos padrões. O roteiro então eleva o nível no terceiro ato, ao desconstruir a persona do solteirão inconsequente. Vale destacar que este era o papel favorito do cantor.





* O filme está sendo lançado em DVD, com opção de dublagem em português, pela distribuidora "Studio Classic Filmes".

"Braço de Diamante", de Leonid Gayday


Braço de Diamante (Brilliantovaya Ruka - 1968)
O cidadão soviético Semyon Gorbunkov sai a passeio num cruzeiro marítimo. Em seu retorno, acaba levando à URSS joias escondidas por engano no gesso colocado em torno de seu braço esquerdo depois de uma queda em Istambul. Enquanto os contrabandistas realizam várias tentativas para recuperar as pedras preciosas, um capitão da polícia russa usa Gorbunkov como isca para pegar os criminosos.

A ideia é um misto de sátira dos filmes de James Bond, que gozavam de extrema popularidade na época, com uma debochada visão sobre o modo de vida dos soviéticos, mas o que verdadeiramente se destaca é a forma como o roteiro libertário subverte as convenções cinematográficas desde os créditos iniciais, que prometem prólogo, divisão em partes e epílogo, uma pretensão épica que já é quebrada logo na primeira sequência. Não há prólogo, não há epílogo e a segunda parte é anunciada após um intervalo poucos minutos antes do fim. É compreensível a fama da obra em alguns países, apesar de ser desconhecida no Brasil, não é uma comédia simplória, abraça variadas vertentes, do pastelão ao humor mais refinado usualmente encontrado nas produções inglesas. A dupla Yuriy Nikulin (que era palhaço de circo) e Andrey Mironov esbanja carisma, especialmente no agitado e superior terceiro ato.

O roteirista/diretor Leonid Gayday tem umas sacadas brilhantes, como a cena do jovem que “caminha sobre a água”. Ele admirava Chaplin, logo, fica clara a inspiração em diversos momentos que utilizam com inteligência o silêncio. Nem todas as piadas atravessam a fronteira, o texto não é pensado para entreter o público estrangeiro, mas, ainda assim, o resultado é acima da média e, mais importante, segue eficiente nos dias de hoje.  Excelente resgate da distribuidora “CPC-Umes Filmes”.





* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "CPC-Umes Filmes".

domingo, 10 de dezembro de 2017

"Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", de Fabrício Bittar


Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017)
O roteiro escrito por André Catarinacho e Danilo Gentili é bom no gênero, as piadas funcionam, a montagem é esperta e entende o público-alvo, mas há algo que incomoda e prejudica o resultado, o problema não é raro no cinema nacional, a atuação do elenco não está afinada no mesmo diapasão, existem personagens que se mostram mais caricatos, outros adotam tom mais natural, além de alguns que simplesmente não atuam bem, o que acaba formando um conjunto irregular que distrai a atenção do espectador em algumas sequências. Com esta ressalva, vale destacar a importância da nossa indústria abraçar vertentes diferentes dentro da comédia, a (extrema) ousadia temática politicamente incorreta de “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, especialmente nos dias de hoje, deve ser aplaudida. Arte é escapismo, aqueles que criticam, por exemplo, a celebração do bullying no filme, com o perdão da expressão, são apenas imbecis. E digo isto como alguém que sofreu na infância e adolescência com violência física e psicológica e escreveu um livro abordando o assunto.

A trama capta com exatidão a essência nonsense e debochada do cinema adolescente dos anos oitenta, aquela época maravilhosa em que o estudante chegava em casa, jogava a mochila no sofá e ligava a televisão para ver “Primavera na Pele”, ou “Férias do Barulho” no vespertino “Cinema em Casa” do SBT. Exatamente por este motivo é tão agradável reencontrar o eterno Quico de “Chaves”, Carlos Villagrán, vivendo o diretor da escola. Eu destaco também a presença sempre competente de Moacyr Franco, mestre do minimalismo brilhante, vivendo um faxineiro rebelde. Ótima ideia trazer de volta Joana Fomm, grande atriz que merecia ter tido participação mais expressiva na tela grande em sua carreira. E também é curioso ver Rogério Skylab, músico exótico especialista em subverter e chocar, vivendo um professor de História relativamente sisudo e cleptomaníaco, boa sacada. Os jovens protagonistas, Bruno Munhoz e Daniel Pimentel, apesar de não terem experiência na área, transmitem segurança e ótimo senso de timing cômico. Danilo Gentili não é ator, mas utiliza sua experiência como comediante nos palcos para injetar generosa dose de carisma ao viver uma espécie de versão adulta e mais cínica do Ferris Bueller, de “Curtindo a Vida Adoidado”, desencantado com a vida e que se torna o mentor da dupla.

Um aspecto interessante que engrandece a obra é propor a discussão sobre o conceito equivocado que escraviza o indivíduo, desde muito novo, ao reducionismo existencial que busca notas altas e incentiva um comportamento padronizado. Se você não se sente confortável no molde, logo, você é excluído. Um sistema educacional que valoriza a memorização, ao invés do real aprendizado. Na sequência em que o personagem de Gentili ensina que o certo é rasgar livros, a professora está indicando a leitura de “Iracema”, clássico de José de Alencar. A crítica é certeira, não há nada pior que inserir (com o acréscimo terrível da obrigação) no currículo escolar de pré-adolescentes tomos pensados para leitores adultos. Não é a maneira mais inteligente de incentivar o hábito precioso da leitura. 

A reflexão é fundamental, vivemos em um país com índices vergonhosamente baixos em educação. Talvez ser o “pior aluno” em um sistema inegavelmente falido pode representar alguns passos na direção certa.  

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

"Extraordinário", de Stephen Chbosky


Extraordinário (Wonder - 2017)
O livro original, escrito pela R.J. Palacio, pode ser lido em uma madrugada, linguagem fácil e acessível, capítulos curtos, estrutura simples e muitos diálogos, mas muito rico em sua mensagem, encantador da primeira à última página. É fascinante a forma como o roteiro se mantém fiel à essência infanto-juvenil da obra, sem resvalar no melodrama piegas que o tema sugere, transpondo com inteligência e muita sensibilidade as agruras diárias do pequeno Auggie, vivido pelo impecável Jacob Tremblay, que nasceu com síndrome de Treacher Collins, um distúrbio do desenvolvimento craniofacial que o faz querer se esconder do mundo.

Os seus pais, vividos por Julia Roberts e Owen Wilson, temem que ele seja rejeitado em seu primeiro contato com outras crianças na escola. Vale ressaltar uma breve e comovente cena protagonizada por Sonia Braga, simbolizando a lembrança querida da avó falecida, os valores que prepararam a família para suportar qualquer desafio. É linda a relação entre ele e sua irmã adolescente, excelente atuação de Izabela Vidovic, o jeito como ela consegue sintetizar carinho profundo e preocupação em um olhar, sendo beneficiada pelo texto que proporciona uma construção tridimensional de sua personalidade, evidenciando a angústia que ela precisa vencer constantemente por ter consciência de que a existência do menino forçou os pais a deixarem, por vezes, as suas necessidades emocionais de lado. Há espaço até para uma esperta rima mostrando a famosa cena de “Dirty Dancing” na televisão, com Patrick Swayze dizendo que “ninguém coloca a Baby de lado”. As referências da cultura pop, algo intrínseco no livro, como o amor do protagonista pela saga “Star Wars”, são trabalhadas com extrema eficiência. Sem reinventar a roda, o filme poeticamente insere o elemento poderoso da arte como instrumento de inspiração.

Há uma corrente tola na crítica que enxerga problema na história que objetiva primordialmente as lágrimas dos espectadores, ignorando que é muito mais difícil tocar os corações do público, não é uma equação fácil, qualquer diretor consegue criar algo que incite indiferença, poucos nos comovem. Eu me recordo claramente de quando vi pela primeira vez “Marcas do Destino” (Mask – 1985), ainda na infância, como aquela imagem do jovem que sofria de displasia craniodiafisária me perturbou a princípio, até que a emoção superou qualquer estranheza, eu amadureci ao final da sessão. São filmes fundamentais que os pais devem mostrar aos filhos pequenos. O que motivou a autora de “Extraordinário” foi testemunhar a reação de uma menina na rua à passagem de uma criança com uma deformação facial, ela decidiu fazer algo a respeito objetivando jovens leitores, aqueles que efetivamente podem modificar algo na sociedade em longo prazo. Grande parte das vezes, a crueldade que vemos nas crianças nasce dos adultos, seres que dificilmente modificam diante da percepção do erro. O roteiro aponta isto em uma forte cena, os pais de um aluno que pratica o bullying em Auggie dão um espetáculo de arrogância e estupidez na sala do diretor da escola, intolerantes e preconceituosos, avalizam desavergonhadamente as atitudes do garoto.

O diretor Stephen Chobsky, do ótimo “As Vantagens de ser Invisível”, equilibra muito bem os diferentes pontos de vista narrativos, conceito existente no livro, dedicando tempo generoso ao desenvolvimento de personagens periféricos e, principalmente, reforçando o impacto transformador da presença do menino em suas vidas, a força suave e terna que, ao corajosamente resistir às provocações, ensina a todos o valor inestimável da gentileza. 

"Perfume de Mulher", de Dino Risi


Perfume de Mulher (Profumo di Donna – 1974)
O capitão Fausto perdeu a visão e uma das mãos num acidente com uma granada, tornando-se um homem amargurado e cínico. Sua tia contrata Giovanni, o jovem recruta de uma escola militar, para escoltar o cego em uma viagem pela Itália, de Turim a Nápoles. Sem que o rapaz saiba, o velho capitão tem planos secretos para o final da viagem.

A refilmagem norte-americana protagonizada por Al Pacino entrega diversas sequências memoráveis, como aquela emoldurada pelo clássico tango de Gardel: “Por una cabeza”, interlúdio musical pleno em simbolismo que não existe no original, ou a defesa apaixonada dos valores éticos do jovem para o comitê de disciplina da universidade, uma subtrama bonita que também não existe no homônimo italiano, mas sofre com graves problemas de ritmo em sua longa duração, além de optar por um frágil final feliz convencional. Gosto muito de um filme subestimado na carreira de Dino Risi, “Operazione San Gennaro”, hilária farsa nos moldes do “Os Eternos Desconhecidos”, de Monicelli. “Aquele que Sabe Viver”, com roteiro co-escrito por Ettore Scola, outra pérola descompromissada, segue eficiente nos dias de hoje. Quando o diretor tentava se levar mais a sério, como em “Perfume de Mulher”, o resultado era irregular. 

Adaptado do ótimo livro "A Escuridão e o Mel", lançado em 1969 por Giovanni Arpino, que está fora de catálogo no Brasil, mas pode ser encontrado em sebos, o roteiro de Ruggero Maccari apresenta um protagonista cego e maneta que adota o rígido código de conduta militar como instrumento de defesa existencial, mascarando sua fragilidade psicológica com rompantes constantes de grosseria. Vittorio Gassman, que recebeu o prêmio de Melhor Ator em Cannes por este papel, injeta humanidade e insinua por trás da empáfia teatralizada a patética submissão ao vício do álcool, em suma, ele abusa emocionalmente de todos à sua volta, exatamente por ter consciência de que é o mais miserável e vulnerável. A bela Sara, vivida por Agostina Belli, cortejada pela fotografia elegante e melancólica de Claudio Cirillo, a única jovem que guarda na lembrança o homem seguro que ele outrora foi, sonha diariamente ser correspondida em seu sentimento. Ao abandonar o estereótipo machista, ele vence a amargura e se aceita em sua atual condição, logo, consegue se libertar do medo. Ele, enfim, aceita a ajuda da mulher amada para caminhar na escuridão. A cegueira fez com que ele aprendesse a enxergar a realidade. O personagem só se torna, de fato, um homem, quando abandona a patética fachada de "macho" determinada pela sociedade. 

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

"Rabo de Foguete", de Norman Taurog


Rabo de Foguete (Visit to a Small Planet – 1960)
Jerry Lewis é o alienígena Kreton, um ET atrapalhado e curioso por descobrir como é a vida na Terra. Sai escondido de seu planeta e aterrissa no quintal de um famoso jornalista de TV que não acredita em extraterrestres. Kreton deseja fazer um estudo dos humanos e se apaixona pela filha (Joan Blackman) do jornalista, mas sua incapacidade provoca uma série de confusões e coloca a vida do jornalista de cabeça para baixo.

No mesmo ano, Jerry Lewis lançaria seu primeiro projeto como diretor, “O Mensageiro Trapalhão”, ele ainda estava dando os primeiros passos criativos sem Dean Martin, com quem já havia feito várias comédias dirigidas pelo competente Norman Taurog, como “Sofrendo da Bola”, “O Meninão” e a excelente “O Biruta e o Folgado”. No ano anterior, ele comandou “A Canoa Furou”, fraca tentativa solo de Lewis, mas foi com “Rabo de Foguete”, adaptada de uma peça de Gore Vidal que utilizava o tema da ufologia para criticar o pavor midiático da ameaça vermelha pós-Segunda Guerra, que os dois acertaram na ousadia temática. É claro que todo o contexto crítico foi incrivelmente amenizado no cinema. No ano seguinte, Taurog iniciaria uma longa e produtiva parceria cinematográfica com Elvis Presley. Vidal detestou a escolha de Lewis para protagonizar o trabalho defendido pelo elogiado ator Cyril Ritchard na Broadway, papel que deu a ele uma indicação ao prêmio Tony. O caso é que o comediante extremamente popular era sinônimo de lucro alto nas bilheterias, o estúdio não pensou duas vezes. 

O histrionismo de Lewis funciona especialmente pelo contraste que se estabelece com o personagem do jornalista, vivido por Fred Clark, equilíbrio raramente alcançado e que potencializa o efeito cômico de várias sequências. A trucagem visual de Fred Astaire em “Núpcias Reais”, lançado nove anos antes, pode ser vista aqui, com Lewis andando pelas paredes da sala. Outro momento fantástico ocorre na pista de dança, com o alienígena camarada demonstrando dificuldade em compreender e acompanhar os passos da jovem terráquea símbolo da geração Beatnik. Um dos trabalhos mais curiosos do saudoso Lewis, para ver e rever.


* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline", com opção de dublagem em português.

domingo, 3 de dezembro de 2017

"A Hora do Pesadelo", de Wes Craven


A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street - 1984)
O criador do assustador conceito foi o diretor Wes Craven, que buscou inspiração em casos de homens saudáveis no Camboja que morreram durante o sono após reclamarem de pesadelos horríveis. Algo que causou uma histeria coletiva na década de setenta, com pessoas que evitavam dormir temendo encontrar o mesmo fim. As filmagens duraram cerca de trinta dias, com um elenco formado por jovens desconhecidos, incluindo Johnny Depp, em seu primeiro trabalho.

A origem de Freddy Krueger e sua doentia personalidade foram sendo construídas ao longo da franquia, especialmente nos capítulos roteirizados por Craven (o primeiro, o terceiro e o sétimo). O conceito de um vilão que utiliza os sonhos para atacar suas vítimas, além de criativamente libertário, também é imageticamente estimulante. O maior mérito, como ficou provado na fraca refilmagem, é do ator Robert Englund, que por trás de toda a maquiagem pesada, consegue em sua maneira de andar ou na sutileza de um simples inclinar de cabeça, transmitir a essência do personagem (ele se inspirou no "Nosferatu" de Klaus Kinski). Krueger é um molestador, assassino de crianças que vive na Rua Elm. Após uma década de crimes e uma pequena estadia na prisão, volta para as ruas e é vítima do ódio dos pais das crianças, que o seguem até seu esconderijo e ateiam fogo no local. Agora, deformado e muito mais poderoso, invade os sonhos da nova geração, na tentativa de vingar-se no sono dos filhos de seus algozes.

Uma ideia genial no roteiro foi mesclar sonho e realidade, embaralhando a mente do espectador, que nunca sabia realmente em qual momento o assassino poderia aparecer. Enquanto que no original e em sua continuação, Krueger era sádico, sendo mostrado apenas em rápidos relances, quase sempre envolto em sombras, a partir do terceiro projeto (até o sexto) tornou-se um astro pop, com direito a frases de efeito e piadinhas infames. A ideia original era que o desfecho do filme mostrasse que tudo não havia passado de um sonho, mas a ambição do estúdio em estabelecer uma franquia falou mais alto. A escolha para a cena final é macabra e surreal, condizente com a proposta onírica da obra. Um elemento que precisa ser salientado é a excelente trilha sonora de Charles Bernstein, que foi construída utilizando como base a cantiga infantil que emoldura a cena inicial (ideia de Craven), com as crianças pulando corda. 

O horror nasce do subconsciente, da manifestação inesperada de um "bicho papão" que chama suas vítimas pelo nome (insinuando intimidade), mas acima de tudo, nasce daquilo que não conseguimos enxergar, da lâmina que brilha à distância em um estreito corredor.


* A editora Darkside Books está lançando dentro da Coleção Dissecando o excelente "A Hora do Pesadelo: Never Sleep Again", de Thommy Hutson, uma pesquisa preciosa sobre os bastidores das filmagens do filme original de 1984. A qualidade gráfica é impressionante como você pode ver na foto acima. É material obrigatório para fãs do terror. 

sábado, 2 de dezembro de 2017

"Polícia Federal: A Lei é Para Todos", de Marcelo Antunez


Polícia Federal: A Lei é Para Todos (2017)
“O sistema é feito para não funcionar”. A frase dita por um dos investigadores do filme sintetiza a coragem do roteiro em apontar que não há heróis na política, não há lógica em defender pessoas claramente envolvidas em falcatruas, figuras que enriquecem enquanto o povo que os colocou no poder luta para sobreviver chafurdando na lama, nem mesmo a desculpa da genuína ideologia pode ser sustentada. Já está claro que “esquerda” e “direita” neste país roubam da mesma forma, a resposta não está em partidos, a esperança reside em indivíduos íntegros. É questão de caráter, nunca deposite sua confiança em líderes que não compartilham os mesmos serviços que o coletivo de pessoas responsáveis por sua posição social. A nossa sociedade está muito longe da realidade de outras nações verdadeiramente dignas e corretas.

Quando o filme “Polícia Federal - A Lei é Para Todos" foi lançado, eu percebi a clara intenção de boicote de parte do público e da crítica, atitude que sempre repudio, o instinto de censura serve apenas aos cretinos. Uma breve reflexão: a beleza do cinema é também a capacidade de abordar o mesmo evento por perspectivas diferentes. Você pode ver um clássico alemão de propaganda nazista e logo depois ver a resposta norte-americana incitando os jovens à guerra, "Suss the Jew" (1940) é antissemita até o talo, enquanto "Confissões de um Espião Nazista" (1939) desfere um soco de direita no queixo de Hitler. Por este motivo não consegui acreditar quando li textos tentando deslegitimar a obra utilizando como base o argumento de que ela retratava a versão de apenas um lado da história. Não há argumento mais tolo, um desserviço à função da crítica como ferramenta filosófica que prima pela pluralidade de pontos de vista. Ficando no mesmo tema, "Lula, o Filho do Brasil" era imparcial? Que os dois filmes sejam vistos e analisados sem preconceito, nunca boicotados (ainda que de forma sutil), que a pluralidade de abordagens agregue à experiência de cada espectador. O crítico de cinema que toma partido antes de conhecer o filme está agindo de forma errada, estupidamente errada.

A utilização da narração em off como fio condutor da trama é um ponto negativo, o recurso quase sempre tenta disfarçar um roteiro frágil, prejudica a imersão e, neste caso específico, busca preencher lacunas que deveriam ter sido resolvidas no primeiro ato, para que o investimento emocional do espectador no desfecho não dependesse de um conhecimento prévio dos acontecimentos retratados. O filme precisa funcionar sem muletas, precisa ser atemporal. Outro momento que considero desnecessário é aquele em que o grupo de investigadores festeja ao som de “Inútil”, do Ultraje a Rigor, a sequência é clichê, destoa do clima que havia sido estabelecido e não soa coerente na construção dos personagens envolvidos. Fora isto, não há grandes problemas. A introdução em quadrinhos é muito boa como ideia e execução, traçando a corrupção desde o encontro de Cabral com os índios. A atuação do elenco afinada no mesmo diapasão é louvável, algo que era raro, mas que melhorou muito nos últimos anos. Vale destacar a forma inteligente com que os alívios cômicos são trabalhados, especialmente a construção do personagem do doleiro Youssef (Roberto Birindelli) em cenas como aquela em que ele debocha da forma física do delegado vivido por Antonio Calloni, culminando mais tarde na sua desconstrução ao ser questionado na cadeia pelo motivo de não fazer piada com a chegada de Odebrecht (Leonardo Medeiros).  

Eu gostei do ritmo e, com as ressalvas apontadas acima, considero um importante passo no gênero de thriller político, vertente poucas vezes trabalhada no cinema nacional. Qualquer tentativa da nossa indústria de se aventurar fora da zona de conforto narrativa deve ser incentivada.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Links para a pré-venda dos ingressos de "Elvis é Joia" (RJ)


"Elvis é Joia" está chegando! A pré-venda dos ingressos já começou. Curta a página do evento e saiba mais informações sobre os temas que abordarei antes de cada sessão. E, claro, irei cantar algumas pérolas do repertório do rei do rock. Serão 22 canções divididas de forma cronológica nas cinco sessões.


Sessões:





Primeira foto de divulgação de "Sacrifício"


"Sacrifício", meu quinto curta independente, será filmado em janeiro. Foto com parte do elenco hoje na primeira reunião da equipe. Tereza Filardy, Mônica Foroni, Zaira Zambelli (que foi minha primeira professora de teatro, em 2002), Deborah Cintra e Eduardo Doria. 

"Assassinato no Expresso do Oriente", de Kenneth Branagh


Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express – 2017)
Apesar de ser reconhecida, de forma justa, como a rainha da literatura detetivesca, poucos livros de Agatha Christie resistem em revisão. Ao contrário do Sherlock Holmes de Conan Doyle, a diversão está na tentativa de elucidar o mistério, você dificilmente terá interesse em reler o livro após a solução. Eu destaco apenas duas exceções: “Testemunha de Acusação” e “Assassinato no Expresso do Oriente”, por conseguinte, as tramas que melhor funcionaram no cinema. 

Dito isto, não é justo comparar o projeto de Kenneth Branagh com a versão de 1974, que teve roteiro de Paul Dehn e a direção do espetacular Sidney Lumet, além de um elenco verdadeiramente magistral. É um produto que vem com a proposta de agradar ao público adolescente, logo, o contexto é indisfarçavelmente raso, a recorrente piadinha óbvia com o nome do protagonista é um exemplo, a personalidade excêntrica do detetive belga Hercule Poirot é exagerada em tintas caricaturais, o roteiro providencia oportunidades para que seu humor irônico tome lugar de destaque, caminhando por vezes na linha tênue entre o adorável e o irritante. Branagh entende o espírito desta versão e acerta o tom na interpretação, a sua presença compensa boa parte dos problemas encontrados no irregular primeiro ato. O espaço cênico reduzido pode ser uma bênção ou uma maldição. Com exceção de Johnny Depp e a sempre competente Judi Dench, apesar de subutilizada desta vez, o elenco não demonstra segurança e o texto que defendem não fornece momentos especiais para que o público invista emocionalmente em suas histórias individuais.

A direção tem boas ideias estéticas, como a utilização do reflexo nas portas de vidro nas sequências de interrogatório para insinuar verdades ocultas, a fotografia de Haris Zambarloukos faz uso inteligente das sombras no trem, o figurino e a reconstituição de época são impecáveis, mas há também uma frieza na abordagem que prejudica a imersão e enfraquece o senso de diversão, especialmente para aqueles que já conhecem o desfecho, já que o roteiro prima pela fidelidade ao material original.