Cavadoras de Ouro (Gold Diggers of 1933 – 1933)
Serpente de Luxo (Baby Face – 1933)
A década de 30 é a minha favorita no cinema por vários
motivos, a riqueza única dos projetos crepusculares do pré-code é um deles. O breve
período entre os primeiros experimentos sonoros e a censura do código de
produção é fascinante, os roteiros abordavam corajosamente temas como
prostituição, drogas, homossexualidade, violência extrema e promiscuidade. “Monstros”,
de Tod Browning, grande exemplo, protagonizado por artistas de circo com deformidades
físicas reais, o tipo de obra que jamais receberia sinal verde hoje em dia. O "Código Hays", como ficou popularmente conhecido, como toda atitude nascida do conservadorismo hipócrita, sempre reforçado pela voz de um pregador religioso, buscava envolver Hollywood no manto da moralidade dos homens de bem da época. Alguns diretores mais ousados, como Otto Preminger, ajudaram a enfraquecer este grito de estupidez, forçando os limites do que era aceitável mostrar em seus filmes. Após
a censura, até mesmo a simples cena de um casal que compartilha a mesma cama
estava fora de questão. Dentre todos os clássicos que amo nesta fase, destaco o
musical “Cavadoras de Ouro” e o drama “Serpente de Luxo”.
A indústria ainda estava aprendendo a trabalhar a linguagem
do musical de forma visualmente interessante, que fugisse do teatro filmado das
primeiras tentativas, quando o coreógrafo Busby Berkeley demonstrou que havia
esperança em “Whoopee! ”, de 1930, belo cartão de visitas. Ao representar com
sua visão caleidoscópica os bastidores da Broadway em “Rua 42” e “Cavadoras de
Ouro”, lançados no mesmo ano, ele injetou frescor no gênero. Com direção do
sempre competente Mervyn LeRoy e a presença marcante de Joan Blondell, Aline
MacMahon, Ruby Keeler, Dick Powell e Ginger Rogers, a trama se alimentava do
drama da grande depressão para mostrar que a arte é capaz de resgatar a
dignidade do indivíduo. Existem vários momentos maravilhosos de insinuação de
nudez, vestidos reveladores, mas há uma sequência musical que é inesquecível
pelo alto nível de erotismo, “Pettin’ in the Park”, em que um bebê maroto,
vivido por Billy Barty, um anão de nove anos, age como sorridente voyeur ao
espiar mulheres trocando de roupa, e, como se já não bastasse, finaliza com um
rapaz utilizando um abridor de latas para atravessar a armadura de castidade de
uma garota. E vale ressaltar também a opção por terminar o filme em tom amargo
e intensamente crítico, “Remember my Forgotten Man”, cantada por Joan Blondell,
quebrando todas as regras, utiliza o palco como janela para a realidade brutal
dos veteranos da Primeira Guerra Mundial, mentalmente perturbados e viciados em
drogas consumidas no tempo em serviço, que não conseguiam se integrar de volta
à sociedade. A grandeza deste desfecho me arrepia e me emociona sempre em
revisões.
Em “Serpente de Luxo”, com direção de Alfred E. Green a
partir de uma história de Darryl F. Zanuck, magnata da indústria de cinema que
sabia exatamente do que estava tratando, Barbara Stanwyck vive Lily, uma jovem de
família pobre que foi explorada durante a infância e adolescência pelo pai, um
jogador bêbado que a oferecia sexualmente para amigos influentes em troca de
favores políticos. Chico, a empregada vivida por Theresa Harris, havia acabado
de ser despedida por quebrar uma bandeja de taças, quando a jovem parte para
cima do pai em defesa dela, um laço de amizade com clara insinuação de
homossexualidade trabalhado no roteiro que, especialmente em um período intensamente
racista, merece ser salientado pela tremenda coragem. Lily então decide subir
socialmente na vida revidando sem piedade os abusos sofridos, aconselhada pelas
leituras de Nietzsche, devolvendo na mesma moeda, explorando todos os homens
que encontra pela frente. Ela, em uma sequência visualmente brilhante, galga rapidamente
degraus no prédio do banco em que trabalha ao se oferecer sexualmente para seus
superiores, com a câmera acompanhando sua jornada pelo lado de fora do edifício,
evidenciando as melhorias de cargo. A natureza da protagonista vai contra tudo
o que os censores tentavam celebrar na época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário