Logan (2017)
Eu tenho uma relação forte com o personagem Wolverine, a
revista em quadrinhos lançada pela Editora Abril em 1992 foi a primeira que
acompanhei na infância desde o primeiro número, aguardava ansiosamente os
capítulos de sua aventura solo em Madripoor, quando ele era conhecido pelo
apelido “Caolho”. Naquela época, antes mesmo da série animada dos “X-Men”
estrear no programa matinal TV Colosso, eu sonhava com um filme do carcaju. Os
anos passaram, a indústria de cinema deu um abraço apertado na nona arte e Hugh
Jackman, uma aposta nada convencional do diretor Bryan Singer, defendeu o
personagem no primeiro filme da equipe mutante. Eu tinha quinze anos, já estava
afastado do universo dos quadrinhos, vivendo aquele período em que tolamente
recusamos ser associados com qualquer produto que nos remeta à infância. Mas eu
me lembro de ter ficado feliz com aquela versão, o problema era o timing daquele
projeto na minha vida.
“X-Men 2”, fantástico, uma das melhores adaptações de
quadrinhos de todos os tempos. A frustração então virou uma constante com os
projetos seguintes, atingindo seu ápice no horroroso “X-Men Origens: Wolverine”.
A ironia é que, na época de seu lançamento, eu já estava atuando
profissionalmente como crítico, então cobri a coletiva de imprensa do ator no
Brasil, já esbanjando a simpatia que atualmente está sendo celebrada nas redes
sociais. Ele está vivendo o personagem há dezessete anos, um feito digno de
nota, creio que somente Christopher Reeve, no que tange quadrinhos no cinema,
conseguiu estabelecer uma ligação tão forte de carinho com o público. E ele,
tragicamente, não teve a mesma sorte que Jackman, a sua carta de amor para os
fãs foi rasgada pelos executivos da Cannon na bomba “Superman 4 – Em Busca da
Paz”.
“Logan” é um bom filme, mas longe de ser a obra-prima que
muitos estão enxergando, o hype e o efeito manada são parte importante na
estratégia de marketing das produtoras, alguns críticos são praticamente
alçados ao posto de assessores de imprensa não-remunerados do filme. Os seus
problemas prejudicam a imersão plena, então vou me ater inicialmente a eles,
antes de tecer os elogios. Sem revelar muito, os vilões são absurdamente
desinteressantes, não há sequer um nome que tenha ficado em minha mente minutos
após o fim da sessão, não há peso em suas atuações, não há sensação orgânica de
ameaça. O mais importante, aquele que em teoria representa o
metafórico confronto do homem com sua finitude, com o ato do envelhecimento, literalmente
é jogado na trama e não recebe um mínimo de atenção, por conseguinte,
enfraquece terrivelmente um dos momentos que deveriam ser emocionalmente
devastadores. O protagonista fala diversos palavrões logo nos primeiros
minutos, como aquele adolescente que deseja chocar os mais velhos, um recurso
que soa forçado, como que para deixar claro para os espectadores adolescentes
que eles estão vendo um filme “para maiores”. Há sangue, há brutalidade nas
cenas de ação, mas não há nada na trama que justifique a mudança na
classificação etária, existe mais maturidade narrativa em animações da Pixar.
O arco narrativo de Logan não é desenvolvido, ele não muda
com os acontecimentos vividos, por mais que a última cena insinue algo nesse
sentido, não soa crível. A emoção nasce do sentimento que foi estabelecido
entre o público e o protagonista nesses dezessete anos, não é mérito do texto,
ou das escolhas criativas do diretor. E há um problema imperdoável, total
desleixo, um vídeo gravado em celular, espécie de found footage que serve como
elemento expositivo, mas editado de forma impecável, com direito até a uma
narração em off. Se isso fosse mostrado rapidamente, ainda dava para engolir,
mas a cena é longa, não é possível que ninguém percebeu como aquela sequência
destoava da estética realista que o filme tenta estabelecer desde o início. A referência ao clássico faroeste “Os Brutos Também Amam” é
inserida com mão pesada, talvez um pouco de sutileza seria mais elegante e respeitaria
mais a inteligência do espectador, demonstrando segurança em sua louvável ambição
dramática. Quando o foco está na interação entre Logan, Xavier (Patrick
Stewart) e a pequena Laura (Dafne Keen), o roteiro flui muito bem, porém, a
subtrama com Caliban (Stephen Merchant) quebra o ritmo ao tentar forçar uma
relevância emocional que o personagem não carrega no universo cinematográfico, apesar
de ter sido recorrente nos quadrinhos dos anos oitenta, ele teve apenas uma
ponta no recente “X-Men: Apocalipse”, interpretado por outro ator.
O roteiro acerta ao não revelar o que aconteceu no período
de tempo entre os dias de glória e esse futuro opressivo, a imaginação sempre
realiza um trabalho melhor que a computação gráfica. Algumas dicas são dadas em
diálogos, há muita amargura e culpa no peso das palavras, o heroísmo parece
existir apenas nas páginas dos quadrinhos lidos pela menina, um toque genial,
assim como o boneco do Wolverine que aparece nas mãos de uma criança, ressaltando
a importância desses símbolos mitológicos na formação de um indivíduo. Dafne Keen impressiona pela facilidade com que trabalha a
ferocidade incontrolável e a vulnerabilidade doce de sua personagem, por vezes,
na mesma cena, sem dúvida, ela é o ponto alto do filme. Stewart entrega a
dignidade de sempre, ainda que o roteiro não forneça grandes momentos para ele.
Jackman está envolvido de corpo, alma e coração no projeto, isso é perceptível
e agrega emoção. O corpo cansado, envenenado pela própria condição que o
permitiu se tornar uma máquina de guerra, os olhos vermelhos, o andar trôpego,
uma composição visualmente impecável, ideia inspirada pelo arco “Old Man Logan”,
escrito por Mark Millar e ilustrado por Steve McNiven. Vale destacar o trabalho
primoroso de Isaac Bardavid na versão brasileira, até pelo peso da idade,
ajudando a dar veracidade ao lamento constante que rasga o peito do personagem.
“Logan” é uma despedida digna para o ator, uma respeitosa
carta de amor para os fãs, o filme que finalmente me resgatou a sensação da
importância que o personagem teve em minha infância. Os problemas existem, não
há obra perfeita, mas o tratamento dos quadrinhos pela indústria cinematográfica
está tão preguiçoso atualmente, diversão despretensiosa e uma fórmula irritantemente
inofensiva, que considero revigorante a maneira como o desfecho evoca uma
emoção madura, sem concessões.
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