Filho Único (Hitori Musuko – 1936)
Uma mãe solteira sofre para conseguir criar e educar seu
único filho. Com muito esforço, consegue que o rapaz vá estudar em Tóquio.
“A tragédia da vida se inicia com a ligação entre pais e
filhos”. (Ryunosuke Akutagawa)
O cinema mudo no Japão era especialmente lúdico, graças ao
acompanhamento dos Benshi (homens que narravam o filme, utilizando inclusive
instrumentos musicais). Essa forma de arte foi esquecida com a ascensão dos
filmes sonoros, mas continua exercendo fascínio nos cinéfilos orientais, que de
vez em quando insinuam reviver o interesse por esse método. De certa forma,
esse acompanhamento aliviava o peso narrativo das imagens, promovendo um
distanciamento, fazendo com que os sentidos se focassem em absorver
sentimentos, ao invés de compreendê-los. Complexidade coerente à tradição
nipônica, cujos caracteres de seu alfabeto (como “Kanji”) representam mais que
apenas meios de se compreender um fim. Um diagrama constitui muito mais que uma
palavra, representando um estado de espírito impossível de codificar
literalmente.
Essa beleza poética é personificada nos Benshi, que eram
muito populares e adiaram por bastante tempo a entrada da revolução sonora na
sociedade oriental. Ozu somente utilizou o recurso do som quando se sentiu
confortável para inseri-lo sem prejudicar seu estilo. “Filho Único” foi sua
primeira experimentação (sem contar o curta documentário: Kagamijishi). E com
total segurança, ele insere uma crítica bem-humorada na cena em que o jovem acompanha
sua mãe no cinema com o intuito de fazê-la conhecer o “cinema falado”, assistindo
um popular filme alemão sobre a vida amorosa de Franz Schubert. A mãe não
consegue se conectar emocionalmente ao filme e dorme na sessão. Ozu respondia
ao chamado da modernidade do Japão da década de 30 (que incitava uma hegemonia
militar) com a simplicidade de seus temas, emoldurados por sua câmera baixa ao
nível dos olhos, em um “plano tatami”. Um exemplo perfeito do estilo de Ozu
pode ser notado em uma cena que mostra o filho dando uma aula de matemática sobre
círculos e ângulos retos. Um aluno se levanta e pede que ele explique melhor o
assunto. A câmera coloca os personagens em uma espécie de círculo dentro da
cena, no qual todos os ângulos de câmera são cortados em ângulos de 45 graus
como se estivesse em uma circunferência imaginária que o professor está diretamente
explicando. É um momento que pode passar despercebido, mas que me fez pausar o
filme e rever, para ter certeza que não era simples coincidência.
Encontramos no filme a frustração de uma sociedade sem
emprego e desacreditada dos ideais do período Meiji, forçada a abandonar os
campos em busca de melhores condições de vida na cidade. A invasão de culturas estrangeiras
(simbolicamente mostrados no filme alemão já citado, além do pôster da estrela
americana Carole Lombard na parede) e o constante sentimento de que tudo iria
ruir a qualquer momento, exemplificado pelo uso (por vezes, propositalmente,
irritantes) dos sons-off diegéticos que estabelecem o enriquecedor elemento surreal.
Por esses e muitos outros detalhes técnicos, além do fator emocional eficiente
de sua trama, um tesouro pouco reconhecido e que merece constar em qualquer
lista de melhores obras do mestre japonês.
A Seguir: “Era Uma Vez Um Pai” (1942)
Mais um excelente post! Como todos os demais, que sempre acompanho...
ResponderExcluirGrande abraço!
Marlene Mahovlic
Muito obrigado pelo carinho, Marlene. Espero contar sempre contigo.
ExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirYasujiro Ozu é a minha terapia. E parabéns pelo excelente blog.
ResponderExcluirCompartilho sua terapia, André. Ozu desperta nossas melhores virtudes.
ExcluirMuito obrigado pelo gentil elogio. Conto contigo!
Abração!