O Vento Será Tua Herança (Inherit The Wind – 1960)
O diretor e produtor Stanley Kramer era o homem mais
corajoso na indústria de Hollywood, conseguindo transportar temas relevantes para
o entretenimento das massas. Até mesmo em seu divertido “Deu a Louca no Mundo”,
havia uma clara mensagem social por trás de todo o pastelão. Ele era aquela voz
solitária que discutia assuntos espinhosos, evitados a todo custo por seus
semelhantes. E “O Vento Será Tua Herança”, baseado em um caso real ocorrido em
1925, é um exemplo de como ele conseguia esquivar-se do panfletarismo
ideológico, buscando compreender os “dois lados”, retratando-os com o mesmo
carinho. Não existem estereótipos, vilões detestáveis e mocinhos amados, apenas
homens psicologicamente tridimensionais que realmente acreditam deter a razão,
sendo colocados em natural conflito de ideias. É o que ocorre com os
protagonistas vividos por Spencer Tracy e Fredric March, homens com um
histórico de amizade e admiração mútua, mas que se encontram ideologicamente em
lados opostos. Criacionismo e Evolução, conceitos que ainda hoje
(surpreendentemente) podem incitar uma briga, sendo abordados em 1960.
Admirável!
O projeto fracassou nas bilheterias e dificilmente você verá
sendo exibido na televisão. Na época, fanáticos religiosos berravam que o
diretor era o “Anticristo”, exercendo a ignorância típica concernente ao
fanatismo em qualquer área. Já na primeira sequência, o roteiro (de Nedrick
Young, na lista negra e utilizando pseudônimo, e Harold Jacob Smith) explicita
a essência da proposta. Um banner preso em árvores, ocupando toda a tela, com um
nome: “BRADY”, esclarece a função do personagem de March na sociedade antes
mesmo de sua primeira aparição. Ele é mais que um político, mais que um homem,
ele é um símbolo de salvação, aquele que irá manter o demônio afastado da
pequena cidade. E a evolução de Darwin era um diabinho inconveniente, que não
podia ter voz. Como todo sacerdote de qualquer religião sabe, mentiras são
necessárias para manter o povo sob seu jugo, sendo controlados pelo medo e pela
possibilidade de redenção. E também sabem que a verdade é muito melhor amparada
em argumentos, já que não se guia por um limitante “livro de condutas”, então a
melhor solução é sempre impedir que os argumentos apareçam. Por essa razão, nas
páginas da História, todos aqueles que buscavam alertar o povo para a verdade
eram silenciados rapidamente. A discussão é uma ameaça, pois incita as pessoas
a exercitarem o pensamento lógico, o raciocínio. O professor vivido por Dick
York é afastado de sua sala de aula exatamente por estimular seus alunos ao
livre pensar, ensinando-os sobre a evolução das espécies.
A população da cidade é mostrada desde o início como “zumbis”,
entoando hinos religiosos como máquinas. Kramer também evidencia a impossibilidade
da coexistência entre ideologia religiosa e política (algo muito atual em nossa
realidade), culminando no discurso final do personagem de March, um homem que
possuía uma grandeza de valores em sua juventude, mas que se perdeu ao
extravasar frustrações e complexos em sua crença. Até mesmo o personagem do
jornalista vivido por Gene Kelly, ainda que possa ser considerado um alívio
cômico elegante, possui ao menos um momento ricamente escrito, onde expõe suas
motivações em uma discussão com o advogado vivido por Tracy. Basta uma linha de
diálogo (sobre ser um solitário), para que compreendamos todas as suas ações e
seu interesse no caso. O mais triste é perceber que os “zumbis” agressivos
mostrados no filme ainda existem em nossa sociedade. Vemos o povo demonizando
cientistas e suas pesquisas, políticos querendo determinar leis de acordo com
suas crenças religiosas, pastores acumulando fortunas, intolerância racial e
homofobia. Podemos constatar pesarosos que o pensamento lógico e sensato ainda
é um exercício facilmente substituível pela aceitação cômoda do cabresto. Stanley
Kramer, falecido em 2001, continua sendo o homem mais corajoso na indústria.
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