Nazaré (1952)
Manuel Guimarães, falecido em 1975, é um dos cineastas mais injustiçados do cinema português, praticamente esquecido hoje em sua própria terra, ele foi vítima da censura política salazarista e da inveja de seus colegas.
Em uma década marcada pela preguiça criativa em sua indústria, ele ousou produzir sem recursos, por exemplo, experimentando com a utilização da cor, dos 70mm e, com o divertido "A Costureirinha da Sé", a grandiosidade do CinemaScope. Ainda jovem, trabalhou como assistente de direção do grande Manoel de Oliveira em "Aniki Bóbó", pérola que frequentemente resgato no blog. Após o curta "O Desterrado", decidiu arriscar voos mais altos com o longa-metragem "Saltimbancos", mas foi com "Nazaré", seu segundo trabalho, com roteiro de Alves Redol, que ele potencializou o viés da crítica social, desconstruindo o folclórico paradigma heroico, esperançoso e nacionalista relacionado ao mar, utilizando a estética neorrealista para mostrar o sofrimento dos pescadores e de seus familiares na pobre comunidade de Nazaré. Ao contrário das obras de cineastas conterrâneos, como Leitão de Barros, não há hipócrita senso de honradez na miséria, ou qualquer tentativa de mistificar a rotina excruciante do povo. Os homens marginalizados no filme de Guimarães lutam para sobreviver contra todas as probabilidades, exatamente a imagem realista e pessimista que o regime do Estado Novo desesperadamente queria esconder debaixo do tapete.
O tom trágico é estabelecido já nos primeiros segundos, com o lamento devastador de uma mãe que encontra o corpo sem vida de seu filho estirado na areia da praia. Os melhores diálogos envolvem desabafos de pescadores sobre a escassez de peixes, tentativas frustradas pela falta de sorte. Há ternura na interação entre avô e neto, com o pequeno demonstrando curiosidade pelas aventuras de outrora, mas o texto evidencia nas entrelinhas que o mais velho conscientemente reveste de magia suas palavras, transformando ludicamente a dor em aventura, evitando destruir tão cedo o fascínio do menino.
A realidade cruel é mostrada na forte sequência que ocorre aos quarenta minutos, quando o grupo de pescadores luta para vencer as ondas revoltas em um bote frágil, enquanto que, à distância, toda a comunidade sai correndo de suas casas em direção à praia, orando de joelhos, aos prantos, impotentes. A montagem insere então a desesperadora imagem das mulheres tentando abrir caminho através das grades que isolam o barco salva-vidas. E, intercalado com o pavor dos homens diante da morte certa, vemos a massa humana que literalmente carrega nos ombros com extrema dificuldade a salvação. A cena bebe da fonte de Eisenstein, mas o coração é puramente português.
Em uma década marcada pela preguiça criativa em sua indústria, ele ousou produzir sem recursos, por exemplo, experimentando com a utilização da cor, dos 70mm e, com o divertido "A Costureirinha da Sé", a grandiosidade do CinemaScope. Ainda jovem, trabalhou como assistente de direção do grande Manoel de Oliveira em "Aniki Bóbó", pérola que frequentemente resgato no blog. Após o curta "O Desterrado", decidiu arriscar voos mais altos com o longa-metragem "Saltimbancos", mas foi com "Nazaré", seu segundo trabalho, com roteiro de Alves Redol, que ele potencializou o viés da crítica social, desconstruindo o folclórico paradigma heroico, esperançoso e nacionalista relacionado ao mar, utilizando a estética neorrealista para mostrar o sofrimento dos pescadores e de seus familiares na pobre comunidade de Nazaré. Ao contrário das obras de cineastas conterrâneos, como Leitão de Barros, não há hipócrita senso de honradez na miséria, ou qualquer tentativa de mistificar a rotina excruciante do povo. Os homens marginalizados no filme de Guimarães lutam para sobreviver contra todas as probabilidades, exatamente a imagem realista e pessimista que o regime do Estado Novo desesperadamente queria esconder debaixo do tapete.
O tom trágico é estabelecido já nos primeiros segundos, com o lamento devastador de uma mãe que encontra o corpo sem vida de seu filho estirado na areia da praia. Os melhores diálogos envolvem desabafos de pescadores sobre a escassez de peixes, tentativas frustradas pela falta de sorte. Há ternura na interação entre avô e neto, com o pequeno demonstrando curiosidade pelas aventuras de outrora, mas o texto evidencia nas entrelinhas que o mais velho conscientemente reveste de magia suas palavras, transformando ludicamente a dor em aventura, evitando destruir tão cedo o fascínio do menino.
A realidade cruel é mostrada na forte sequência que ocorre aos quarenta minutos, quando o grupo de pescadores luta para vencer as ondas revoltas em um bote frágil, enquanto que, à distância, toda a comunidade sai correndo de suas casas em direção à praia, orando de joelhos, aos prantos, impotentes. A montagem insere então a desesperadora imagem das mulheres tentando abrir caminho através das grades que isolam o barco salva-vidas. E, intercalado com o pavor dos homens diante da morte certa, vemos a massa humana que literalmente carrega nos ombros com extrema dificuldade a salvação. A cena bebe da fonte de Eisenstein, mas o coração é puramente português.
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